domingo, 17 de maio de 2009

VIRUS MARVÃO

Aos olhos dos pais, os filhos raramente atingem a idade adulta. Sempre serão as nossas meninas e os nossos meninos, sempre tentaremos protegê-los e encaminhá-los para aquela que nós próprios consideramos a melhor vereda na vida. Foi esse o papel que a Natureza nos atribuiu quando nos tornou pais e é esse o rol que acabamos por desempenhar até ao fim dos nossos dias...

São duas e meia da madrugada de segunda-feira. Tenho uma gripe de mil demónios, como nunca me lembro de ter tido. Mas a minha filha ainda está pior... e ouvindo-a delirar, no seu quarto, fiz um esforço terrível para conseguir levantar-me e dar um bocado de descanso à mãe, essa fatigada enfermeira, entre dois doentes para atender.

Sentado na beira da sua cama, constatei, preocupado, que a sua febre não baixava dos 39º. Acariciei aquela carinha pálida, de olhar enternecedoramente triste, segurando a sua pequena mão trémula entre as minhas, numa tentativa algo desesperada de transmitir confiança e reconforto...
- Pai...
- Sim, filha...

- A febre não vai passar nunca...?
- Vai sim, filha. Amanhã vamos ao médico e ele vai-te receitar umas coisas para ficares boa.

- Pai..., mas eu já fui ao médico no Sábado e no Domingo a Castelo de Vide. Porque é que ele não me receitou nada?
- Filha, porque se calhar, ele pensou que tu não estavas tão doentinha...

- Ó pai, mas ele nem viu se eu tinha febre, nem viu a minha garganta... no Domingo nem entrei no consultório, viu-me na recepção e mandou-me para casa.
- Pois, filha, ele não devia ter feito isso. Mas amanhã vamos a outro médico...

- Pai...
- Sim, filha...

- Porque é que nós temos que ir ao médico a Castelo de Vide? É porque cá em Marvão somos poucos?
- Não sei... mas por essa razão não é, de certeza. Nós em Marvão até temos mais 150 pessoas inscritas no Centro de Saúde.

Pai...
Sim, filha...

- Então, se somos mais, o atendimento não deveria ser em Marvão?
- Talvez, filha, talvez, mas os políticos é que mandam nestas coisas...

- Mas, pai, como é que os políticos é que mandam na saúde das pessoas? Os políticos sabem quando estamos doentes? Sabem o que nos deve ser receitado?

- Não, filha, não sabem, mas são eles que mandam...

- Pai...
- Sim, filha...

- Amanhã falas com o Pedro para ele mandar trazer médicos aqui para Marvão, que nos atendam como deve ser, sem precisarmos de ir a Castelo de Vide ou a Portalegre...
- Filha, o Pedro só é da Câmara, quem manda nos médicos é o Ministério da Saúde, que está em Lisboa...

- E o Presidente da Câmara?
-Também, não filha, também não...

- Pai...
- Sim, filha...

- As pessoas das outras terras pagam mais impostos que nós para poder ter médicos e nós não?
- Não, filha, não, pagamos todos os mesmos impostos... excepto os que não pagam nada... mas esses hão-de começar a pagar...

- Pai, é verdade que há médicos em Castelo de Vide que dizem que não atendem os doentes de Marvão?
- Já ouvi falar disso, filha. Mas deve ser mentira. De todas as formas, vamo-nos informar. Se for verdade damos cabo deles....

Pai...
Sim, filha...

- Amanhã vamos a que médico?
- Filhota, amanhã vamos saber onde é que o Dr. Victoriano dá consulta e vamos lá. Vais ver como ficas boa rapidamente...
- Ai, pai, espero que seja como dizes...

Sim, filha, vais ver como é. Agora tenta dormir e descansar um pouco...

Acabámos por adormecer os dois, a sua mãozinha pálida como a neve, entre as minhas, que também não resistiram ao cansaço e à doença que nos atormentava há dias...

Ainda não foi desta vez que faltei a uma promessa à minha pequena... Três dias depois, lá andava ela a escorretear nas suas aulas de basquetebol.... Se a situação que vivemos é preocupante, o que será de nós quando os grandes profissionais da saúde, como o Dr. José e o Dr. Victoriano regressarem ao seu país, algo que mais cedo ou mais tarde há-de acontecer? O Dr.Tello já foi. Deixou saudades como um grande, enorme médico que era e é. Todos ficámos prejudicados. Não queremos nem devemos perder a única esperança que resta aos pobres de sermos considerados como seres humanos dentro de um consultório médico. E, em saúde, esse vento só pode soprar de Espanha, contra todos os provérbios populares havidos e por haver.

E o dia que alguns como eu se cansarem, e agarrarem nas armas, toda esta cambada de inúteis e prepotentes que domina a classe em Portugal, arrisca-se a ir parar a uma fossa comum e serem sepultados por um buldozer sem marca. É o que eles andam a pedir. Eles e todos os tentáculos desta sociedade podre e sem futuro que nos tocou viver, sem termos culpas no cartório para que tal sucedesse.

... Hoje estou revoltado. Nota-se?

4 comentários:

Bonito disse...

Nota-se.

Mas, de certeza, que te sentes mais aliviado depois de escreveres estas acutilantes linhas…

Fizeste bem!

Garraio disse...

E vou deixar de escrever uns dias...
Daqui a pouco sou o único dono da bola...

Um abraço, Fernando.

Felizardo Cartoon disse...

De Espanha às vezes sopram bons ventos e bons casamentos !

Eu tenho a mesma opinião da médica espanhola que dá consultas no Centro de saúde das Carreiras !

Cumprimentos . Felizardo .

Jorge Miranda disse...

O grande problema, amigo Garraio,é a constante desertificação a que estamos sujeitos no interior.
Quer seja provocada por medidas nacionais ou locais.
É que são estes pormaiores que nos fazem pensar, que a politica neste pequeno Concelho tem que estar virada para as pessoas, e , sobretudo para o regresso das pessoas.
um abraço e boas melhoras
Jorge Miranda