segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Feira da Castanha: uma reflexão.




Terminou mais uma feira da Castanha e a acreditar nas notícias que circulam online, terá sido uma das mais concorridas. E ainda bem!

Para os produtores que escoaram os seus produtos, para os artesãos que mostraram o seu trabalho, para os restaurantes e tasquinhas bem como para as unidades hoteleiras, a Feira da Castanha constitui uma mais-valia que não é para menosprezar. O segundo fim de semana de Novembro é, desde à vinte e oito anos para cá um evento importantíssimo, que divulga Marvão e anima a economia concelhia.

Em carta de 22 de Agosto de 1983, recebida na Câmara Municipal de Marvão, o senhor padre Fernando Manuel de Jesus Farinha veio solicitar o apoio da Câmara Municipal (apoio financeiro e administrativo), no sentido de ser feita em Marvão a Feira da Castanha, durante o mês de Novembro, dizendo ao mesmo tempo que se previa uma despesa na ordem dos 100 contos[1].

A “ideia” da feira surgiu para os lados de França, numa localidade onde ainda hoje se realiza uma Feira da Castanha, com alguns aspectos semelhantes e outros naturalmente distintosA Feira da Castanha surgiu, assim, não da iniciativa da Câmara Municipal (que no entanto a apoiou desde a primeira hora), mas dos próprios marvanenses (entre eles o senhor António Garcia e também o senhor Vidal, que destacamos), liderados pelo seu pároco.

A Câmara de Marvão, na altura presidida pelo Sargento Paz, concedeu, de facto, o apoio necessário, mas a feira só veio a arrancar formalmente no ano seguinte, em Novembro de 1984.Do programa de 1984 constam já os elementos que ao longo dos anos se têm perpetuado e tornado a nossa feira tão característica: os magustos, o artesanato, as actividades culturais e desportivas, a promoção e venda de produtos agrícolas, a gastronomia regional, etc.

Com o tempo, a Feira da Castanha ganhou fama, ganhou visitantes e outra sofisticação, mas na sua essência continua a ser a festa da grande família marvanense, porque resulta da colaboração dos residentes, da adesão de todo o concelho e principalmente, do trabalho dos funcionários da autarquia.

Poderia aqui tentar falar sobre o absurdo que para mim constitui o bilhete de entrada na vila, da novidade deste ano que constituiu o pagamento do acesso por autocarro, da animação de rua cada vez mais escassa ou da ausência de um espectáculo relevante que justifique o valor dispendido por cada visitante.

Poderia falar ainda sobre a minha opinião pessoal, de que um evento deste tipo, para crescer verdadeiramente, precisa de apostar na inovação e na qualidade. Ou ainda sobre aqueles que usam a Feira, apenas e só, para distribuir mais uns beijinhos e umas pancadinhas nas costas, como se o empenho e o trabalho, fosse só uma obrigação dos outros.

Mas não, eu quero usar este espaço, tão somente para agradecer aos funcionários que nos magustos aguentaram o frio e o vento para que as castanhas fossem assadas e o vinho fosse servido. Queria agradecer aos funcionários que hoje tudo fizeram para devolver à vila a limpeza que lhe é característica. Queria agradecer às meninas do turismo que às 21.3o do domingo ainda tinham a porta aberta e ao Barradas que me confessou ter dormido mal, preocupado com os seus mil e um afazeres. A todos eles, que são muitos e portanto difíceis de nomear, o meu obrigada por mais uma Feira da Castanha!


[1] Livro de Actas da Câmara Municipal de Marvão, reunião de 6 de Setembro de 1983, fl.107 v.

7 comentários:

Nuno Vaz da Silva disse...

Por motivos de indole familiar mas também bairrista não podia deixar de comentar este artigo. Não pelo teor do artigo mas pelas fontes que têm deturpado a história deste evento.
A Feira da Castanha - Festa do Castanheiro não foi uma ideia do Senhor Pe. Fernando Farinha nem foi uma ideia trazida de França como tem sido veiculado ao longo de alguns anos. Foi uma ideia de 2 marvanenses que solicitaram ao Senhor Pe. Fernando Farinha a apresentação desse projecto junto das edilidades por um unico motivo. As funções que esses marvanenses então desempenhavam obrigavam a algum recato e a poucos protagonismos de natureza politica. Nas primeiras edições da Feira da Castanha, esses 3 Marvanenses, incluindo o Sr. Padre Fernando foram até elogiados em evento público mas rápidamente esquecidos por uma qualquer história faliciosa sobre umas origens francesas do evento.
Lamentavelmente, e obviamente que não pretendo fazer qualquer critica ao artigo ou a quem o escreveu, a história contada hoje, passados 28 anos é completamente deturpada e falsa. Embora 2 dos 3 Marvanenses nunca tenham pretendido reconhecimento publico pelo grande evento economico social que criaram já com esse mesmo objectivo, pelo menos a história deveria ser correcta. Da mesma forma me parece lamentável que um representante da igreja se possa apropriar de algo que não partiu de si próprio (embora tenha tido também um papel relevante).
Para finalizar, resta dizer que um desses marvanenses é o meu pai (Eliseu Dias da Silva) e que foi dele que partiu também a ideia do nome Feira da Castanha - Festa do Castanheiro. Mais do que um qualquer reconhecimento público, importa repor a verdade que a história transformou, criando uma estória falsa e perversa para a iniciativa e criatividade dos próprios marvanenses ..... pelo menos de alguns.

João, disse...

Já agora, se não for sigilo, que devemos respeitar, quem foi a 3ª pessoa? Para memória futura pelo menos deste espaço.

Muito obrigado da minha parte aos dois: à Catarina, porque me parece um Post muito acertivo, sem criticas violentas, mas laçando pistas que deveão ser tidas em conta no futuro pelos organizadores do evento; e ao Nuno, por ter vindo aqui clarificar algo que tem ficado no esquecimento dos "historiadores" da coisa, nomeadamente, no livro que foi lançado há 3 anos.

Nuno Vaz da Silva disse...

Não é sigilo porque nas primeiras edições da Feira da Castanha, essas 3 pessoas foram chamadas ao palanque, tendo-lhes sido feito um agradecimento público pelo conceito e pelos objectivos que pretenderam (e conseguiram) atingir.
Foi o Sr. Garcia que, à data, era gerente da CGD em Marvão. Num seminário realizado recentemente (à cerca de um ano)na Portagem pelo chamado "Movimento por Marvão", o Sr. Pe. Fernando confirmou também esta versão, pelo que estranho mais ainda que, em termos formais, a génese do evento continue a ser deturpada.
Apesar do natural orgulho pessoal pelo facto do meu pai ter estado na origem deste evento, gostaria apenas que a história pudesse perdurar no tempo como algo fidedigno e não como uma espécie de romance que envolve pessoas e origens incorrectas.
Aquando da publicação desse livro, posso ainda informar que foram dirigidas cartas à autarquia com a versão correcta dos factos e o alerta que se estava a reproduzir uma versão incorrecta da história. Muito gostaria, como marvanense que sou, que as próximas edições dessa obra fossem na linha da verdadeira origem da Feira da Castanha - Festa do Castanheiro.
Da minha parte não deixarei de falar na verdadeira origem do evento mas lamento que desde então as entidades públicas (apesar de terem conhecimento dos factos) continuem sem interesse (pelo menos aparente) em explorar como, quem, quando e onde nasceu este que é o maior e mais reconhecido evento socio-economico deste concelho.
No entanto, há sempre tempo para corrigir a verdade dos factos, assim haja vontade e interesse em explorar a memória das boas coisas que se fazem por cá!

Catarina disse...

Boa noite Nuno
Entendo que o teor deste post te incomode, se de facto tudo se passou como descreves. Há alguns anos atrás fiz um artigo para o Boletim do Município sobre a Feira da Castanha,e aproveitei excertos aqui. Tive o cuidado de referir até fontes documentais que se te interessarem, posso-te enviar.
Quando se escreve sobre um tema desta importância corre-se sempre o risco de faltar algo, e no caso, assim foi.
Como não tenho memória dos factos, recorri a documentos e testemunhos.
Se como referes, o teu pai e o Sr. Garcia preferiram,por razões profissionais, não assumir protagonismos, é natural que os relatos à posteriori destaquem quem deu a cara. Não me parece que exista aqui vontade de esquecer propositadamente seja quem for, foram eles mesmo que fizeram essa opção desde o início.
O Padre F. Farinha, com quem falei por causa do artigo nunca chamou a si o exclusivo da Feira, longe disso, e a Feira em França tem algum tipo de fundamento sim, já que há cerca de 10 anos atrás uma comitiva de marvanenses deslocou-se à Feira da Castanha francófona .
Agora, tal não invalida que ainda assim, tenhas razão.
No artigo que escrevi, procurei também o testemunho do Sr. Delgado, antigo carpinteiro da Câmara e um dos primeiros responsáveis pelos magustos.
O Sr. Delgado fez-me um verso que dizia mais ou menos assim:

Sou um marvanense ferrenho
Disto tenho opinião
Esta linda festa começou
Eu a assar castanhas num caldeirão!


Eu não sei se o Sr. Delgado foi ou não o primeiro a assar castanhas na Feira. E será que isso é mesmo importante?
Com certeza concordarás que não. É que a Festa da Castanha, com a raiz popular que sempre teve será sempre de todos, será sempre do povo.
E que assim seja, por muitos e bons anos!

Nuno Vaz da Silva disse...

Catarina, obrigado pelo benefício da dúvida. Acredito que quem chegou há relativamente poucos anos à vila e que sempre ouviu, leu e conheceu a “versão romanceada”, acredite nela como a verdadeira história.
Posso garantir que a origem da Feira da Castanha - Festa do Castanheiro nada tem a ver com essas lendas de um evento realizado em França. Isso foi uma referência feita à posteriori (como forma de justificar a bondade do certame e que poderá ter sido aproveitada por alguém para anos mais tarde efectuar um passeio transfronteiriço, ou simplesmente tomar o pulso a feiras similares). Poderás constatar nos arquivos históricos, possivelmente até do “Fonte Nova” que a Feira vem associada a uma Instituição Financeira que a chegou a patrocinar e que (essa mesma Instituição) trazia à vila de Marvão colóquios e seminários com conceituadas personalidades no 2º fim de semana de Novembro. Não quero afirmar com 100% de certeza mas penso que o livro será também omisso a essa vertente cultural e até académica da Feira da Castanha (alguns registos fotográficos estão reproduzidos no facebook nos álbuns do Prof. J. Oliveira)
Acompanhei a Feira durante muitos anos e vi de tudo. Desde magustos pouco frequentados a loucuras de enchentes, assisti a anos em que as entidades quiseram levar a feira para a Portagem ou Santo António das Areias, anos com alcool a mais e outros com alcool a menos, anos com artesanato local e artistas locais e outros onde vinha quase tudo de fora...enfim, a Feira é o que é e foi o que foi! Mas a história é só uma e, para memória futura, deveria ser corrigida para não enganarmos quem se interrogar sobre os fundamentos, os objectivos e os marvanenses que estiveram na génese da Feira da Castanha – Festa do Castanheiro.
No seminário organizado pelo Movimento por Marvão na Sociedade da Portagem, o Sr. Pe. Farinha referiu-se a si próprio como "um dos 3 pais do evento" e indicou quais foram as 2 pessoas fundamentais para que a Feira fosse criada (“coincidência”: uma delas estava também na sala). Obviamente não compreendo porque é que em entrevistas, em livros e em diálogos se construa um outro cenário. Não me parece moralmente nem eticamente louvável! Mas também eu dou o benéfico da dúvida…poderá ser um “esquecimento”….??
Porque não promoveram as entidades públicas e institucionais uma reunião, enquanto as pessoas estão vivas e felizmente de boa saúde, para clarificar as memórias? Será a versão dessa faliciosa Feira em França mais digna e vendável do que algo pensado e criado por 2 Marvanenses com objectivos bem delineados para a economia e sociedade regionais? Não deverá prevalecer a verdade à deturpação dessa mesma “verdade”?
O Mestre Zé Delgado terá sido um dos primeiros a assar castanhas no magusto que se fez junto às portas de Rodão. Penso até que haverá fotos que documentam esse primeiro magusto (possivelmente registadas também no facebook nos albuns do Prof. Jorge Oliveira).
Por último, caso possas enviar esses documentos, agradecia. Como já deves ter percebido, tudo o que esteja relacionado com Marvão desperta o meu interesse e preocupação.

Nuno Vaz da Silva disse...

Para além da reposição da verdade dos factos, há neste assunto um problema endógeno relacionado com a forma como tratamos os nossos conterrâneos. Se vem alguém de fora, um desconhecido, ouvimos com atenção o que tem a dizer, quais as suas ideias, a sua experiência de vida. Já se estivermos a falar de alguém com as nossas origens, temos uma tendência em não dar tanta importância ao seu saber, ao que faz pela promoção do Concelho e no impacto da sua acção económica para a dinamização do tecido produtivo.
É um problema que enfraquece o espírito empreendedor e criativo dos nativos locais e que é factor de degeneração da própria região. Não é uma cultura local que provoca esse impacto mas sim uma desconfiança com os próprios e uma certa inveja populista.
E posso dizer isto com um certo conhecimento de causa. Na minha família não sou o primeiro, o segundo, nem o terceiro que tem dado a conhecer Marvão aquém e além portas de forma desinteressada mas com muita paixão. No meu caso sou relativamente indiferente à desconfiança alheia. Mas no caso de outros (meus familiares e não só), sinto que houve e continua a haver uma falta de reconhecimento. Essa falta de reconhecimento diminui a ambição dos jovens e dá um exemplo perverso às gerações vindouras.
Dou um exemplo muito concreto. O meu avô foi empresário de inúmeros sectores no Concelho: Exporou um café, teve um táxi, dinamizou uma fábrica de luvas, tinha uma fábrica de rolhas, uma indústria de cozer cortiça, tinha uma adega, explorações agrícolas… Mas principalmente levou o nome do Concelho e de Santo António das Areias por esse país e essa Europa fora… e qual foi o reconhecimento das Instituições Públicas locais para essa entrega bairrista? Apenas o esquecimento!
Isso acontece com muitas outras pessoas. Alguém reconheceu quem fundou em Sto António Grupos de música e de teatro ou quem fundou em Marvão a associação de jovens (ou a Feira da Castanha), quem ganhou prémios nacionais na Telescola ou em outras escolas, quem fundou o Forum Marvão, quem dinamizou a Sta Casa da Misericórdia ou quem passou pela Edição da IBN Maruam… Provavelmente ninguém! E há formas tão simples, baratas e singelas de promover esse reconhecimento: nomes de ruas, lápides, diplomas de mérito, atribuição da medalha ou chave do concelho, promover emissões filatélicas…
Aquilo que fazemos aos outros é igual ao que nos farão a nós próprios mas culturalmente temos uma limitação que nos bloqueia quando se trata de reconhecer o próximo! No entanto, as Instituições Públicas deveriam ser a antítese desse problema cultural…
Esta é apenas uma critica construtiva que não mudará nada mas se ninguém falar, continuará sempre tudo na mesma, com tendência a piorar!

Catarina disse...

toda, toda a razão, Nuno....

Vou tentar encontrar a digitalização que fiz da acta para te poder enviar, como já não estou na Câmara vai dar-me trabalho, mas quase de certeza que tenho guardada