sexta-feira, 6 de junho de 2008

Choças do Concelho de Marvão

(Aguarela de Hermínio Felizardo)
Na semana passada, enquanto arrumava uma estante com livros, deparei com um ensaio sobre Construções primitivas em Portugal. Este volume é uma reedição elaborada em 1994, de um livro publicado em 1969, pelo Centro de Estudos de Etnologia / Instituto de Alta Cultura.
O objectivo primordial, desta iniciativa editorial, era (...) “estudar as formas mais simples de construção existentes no nosso país, as quais aproveitam em geral os materiais locais, segundo processos mais ou menos elaborados, mas de tipo arcaico e alheios a princípios propriamente tecnicistas “ .
“ o primitivismo destas construções não significa, no entanto que elas correspondam necessariamente aos níveis sociais inferiores, mas sim, designadamente dos casos mais característicos, a certas actividades particulares, por sua natureza rudes e duras, como era o caso dos abrigos de pastores . “

Considerei pertinente transcrever aqui alguns excertos da obra em causa, atendendo ao facto, desta falar de um património rico e com bastante interesse que está em vias de desaparecer do Concelho de Marvão . O património de um Concelho não se deve circunscrever às muralhas do castelo.

(...) “ No Alentejo, a construção com cobertura cónica de materiais vegetais, de planta circular, assente num muro de pedra, geralmente em seco, é muito frequente. (...) No distrito de Portalegre, este tipo de edificações, toma particular relevo; além de múltiplos casos em Alpalhão, Crato etc., encontrámo-lo com a maior frequência por toda a Serra de S. Mamede, no Concelho de Marvão, onde se encontra um conjunto notável de construções em falsa cúpula (as choças), e sobretudo na povoação de Cabeçudos, que pela originalidade dos aspectos que apresenta, descreveremos em pormenor, através de um estudo que dela fez Jorge Dias em 1948 “.

“A aldeia de Cabeçudos, do Concelho de Marvão encontra-se meio oculta na encosta de um vale de ligeiro declive. (...) A aldeia não oferece recursos agrícolas ou industriais aos seus habitantes, que se dedicavam principalmente ao contrabando, visto que estão a poucos quilómetros da fronteira: As casas acham-se disseminadas ao acaso, umas abaixo, outras acima, quase sem formar as ruas ou praças, frequentes nas pequenas aldeias alentejanas “.

(...) “As pessoas da região, algumas não muito velhas, como o negociante Manuel Carrilho, disseram que na sua infância havia somente uma ou duas Casas de planta rectangular, todas as demais vivendas do povoado, eram de planta redonda e de cobertura cónica. Na data em que Jorge Dias a visitou, na aldeia havia mais de vinte edificações deste género, das quais, quatro eram habitadas por famílias que ali cozinhavam e viviam, mas não dormiam; duas eram vivendas completas, onde decorria toda a vida doméstica dos seus proprietários “.

“ O tipo mais antigo, pode dizer-se inteiramente redondo, se não olhar-mos às imperfeições de natureza manual. “(...) A construção não tinha alicerces e erguia-se sobre qualquer superfície plana de rocha granítica, que aflora por todas as partes “.

Atendendo ao facto deste estudo ser bastante completo e pormenorizado, não vou aqui transcrevê-lo na integra, sob pena do texto se tornar demasiado “ massudo “ : Dada no entanto a importância que o tema em apreço poderá ter, para futuros estudos, inerentes ao conhecimento do Património do Concelho de Marvão, não queria deixar de transcrever ainda, uma notícia do Jornal Correio da Manhã datada de 19 – 09 – 1991, onde pode ler-se:


“ Conhecidas por sochas, devido à influência da língua castelhana, as choças são construções de carácter popular, características do Alentejo que constituem mais um pedaço da nossa história que morre lentamente por falta de cuidado e interesse pelo passado: Como explicou ao correio da Manhã, Jorge Oliveira, Professor da Universidade de Évora, a técnica necessária à construção deste tipo de edificação é rudimentar, mas muito eficiente e cuja tradição remonta à idade do ferro, ou seja a mais de dois mil anos atrás. Utilizadas, como arrecadação junto às terras de cultivo e mesmo como protecção para as colheitas e gado, estas edificações também serviam como habitação do povo alentejano. (...) Sendo conotadas nas últimas décadas como símbolos de pobreza, as choças foram sendo abandonadas ou transformadas. Hoje em dia, da maior parte delas só resta a estrutura pétrea.

Quem visitar, em especial, os concelhos de Castelo de Vide e Marvão, ainda pode ver algumas choças, mas o desaparecimento destas construções tradicionais que parecem ser testemunhas vivas das habitações pré – romanas, tem sido vertiginoso e o seu estudo e registo esquecido por todos.”

Se as choças pudessem falar, certamente libertariam o seguinte grito de revolta:

- Mantenham-nos de pé porra!

MARCAS DO PASSADO 1







MARCAS DO PASSADO 2






MARCAS DO PASSADO 3



3 comentários:

Bonito disse...

Por vezes, para “entreter” a minha filha conto-lhe estórias de “quando era pequenino” que ela, gentilmente, gosta de ouvir. A minha sobrinha pequena também gosta. E às vezes até diz: ó tio, conta lá uma história de quando eras pequenino.

Uma delas, umas das mais trágicas, tem a ver com choças!

Sou, de facto, um dos responsáveis pelo “desaparecimento destas construções tradicionais” no concelho de Marvão.

A minha infância, algo solitária, decorreu por terras do que agora é conhecido por “Relva da Asseiceira”, onde tem lugar, anualmente, a já tradicional festa de Verão.

Perto do local dessa festa, na tapada onde se desenrola a tão apreciada Garraiada, existia uma imponente choça, na qual “residia” o rebanho de cabras dos meus pais.

Certo dia, ao anoitecer, já as ditas tomavam os seus lugares na sua “mansão”, lembrei-me de, na minha inconsciência, por a prova a cúpula da construção com um fósforo que tinha sobrado das minhas primeiras cigarradas na companhia do Rui Bailaradas e Cª Lda.

O resultado foi trágico!

Só sobrou a “estrutura pétrea”! Esta, ainda lá está sustentando umas folhas de zinco que, agora, substituem as giestas.

Aquilo que começou por ser um pequeno fogacho, facilmente reprimível, tornou-se num fantasmagórico e incontornável incêndio.

Já com a choça a arder tive ainda, felizmente, sangre frio para desalojar a pequeno rebanho que grande importância tinha na frágil economia familiar, salvando as suas “alminhas”!

Após ser resgatado do meu esconderijo por um saudoso primo mais velho, foi ao colo da minha mãe, com os olhos escondidos no seu ombro, que (não) encarei a pequena multidão que, entretanto, se reuniu para “apreciar” tamanha façanha.

Se eventualmente ainda não o tinha, passeia ter, após este episódio, o rótulo de “pequeno endiabrado” por aquelas paragens.

A choça é, portanto, característica não só nos Cabeçudos (onde atingiu o seu expoente máximo) mas também da Relva da Asseiceira.

E eu estou, incontornavelmente, ligado a este tipo de edificação característica do concelho de Marvão.

Pela pior das razões…


Grande Abraço
Bonito Dias

João, disse...

Às vezes torna-se difícil explicar determinados procedimentos humanos.

Andamos por aí todos muito preocupados, em descobrir ou inventar meios de “enfeitiçar” estranhos (turistas) que nos visitam, como forma de os compensar, através da “visão”, de algumas necessidades que os apoquentam no dia a dia na sua vida.

Marvão conseguiu, nos dias que correm, uma imagem, para não dizer uma marca (certamente a custa de alguma publicidade), quer a nível nacional, quer a nível internacional, um “capital” de visitantes invejável e mesmo apetecível para a maioria das terras que fazem essa aposta.

Quem hoje enxergar Marvão em certos dias do ano, é impressionante a quantidade de magotes de gente que por ali passam.
Tivessem nas portas de entrada, um destes “contadores” modernaços, como estes que usamos nestas “entradas virtuais” e, certamente, no final do ano, o seu registo seria de uns largos milhares de visitantes.

Centram-se actualmente esses visitantes, numa imagem de Marvão: o seu Castelo altaneiro, património único, neste rectângulo à beira-mar plantado, que é Portugal.

É opinião minha, que a maioria desse visitantes, trás apenas “custos” aos marvanenses.

Custos do que temos gasto ao longo dos tempos para manter em razoável estado o nosso Património. Custos de limpeza, custos com recursos humanos que ocupamos na actividade de receber os tais visitantes, custos de actividades de “marketing”, custos acrescidos de recuperação das nossas habitações, custos da integração num Parque Natural que só nos trás restrições sem aqui investir um centavo, etc., etc.

Em contrapartida, urge questionar sobre o que temos feito para recuperar alguns desse custos, e como poderão os marvanenses ter também alguns proveitos desses investimentos ao longo de muitos anos.

É nesta problemática que compreendo este grito de revolta das “sochas” de Marvão, através da escrita do Hermínio Felizardo, um filho dos Cabeçudos, talvez quem sabe, se deveria ser cognominada como a “aldeia das sochas”.

A juntar a este “slogan” bem poderíamos e deveríamos juntar os nossos “moinhos de água”, o nosso património “paleolítico”, a nossa “Ammaia”, o nosso artesanato e gastronomia.

Tudo juntinho com um “Plano” bem estudado e partilhado com os marvanenses, tendo em vista a recuperação desses tais investimentos, onde se têm gasto muitos euros e que nos têm tirado a possibilidade de, a exemplo de outros concelhos próximos, podermos desfrutar de outras infra-estruturas que nos faltam, por falta de recursos que temos abrasado na conservação do património (Pavilhão Gimnodesportivo, Centro Multimédia, Centro de Negócios, Saneamento Básico, etc.).

jbuga

Jorge Miranda disse...

A minha avó que morava nos Cabeçudos, também tinha uma socha no quintal.
Apesar de só restar as pedras.
Bom post Herminio