domingo, 16 de setembro de 2012

Em tempos de crise! Alguma lucidez...

(Extrato da Entrevista de António Barreto ao Jornal Sol).

A 10 de Junho de 2011 – quando José Sócrates já havia perdido as eleições para Passos Coelho – fez um inflamado discurso nas cerimónias do Dia de Portugal. Já previa que a situação do país pudesse ser assim tão grave?

Há quatro ou cinco anos que dizia que as coisas iam correr mal. Mas não previ tudo. Estava à espera de muito má situação financeira, económica e política, desde a taxa de desemprego, às falências de empresas. Mas o que não esperava era que, em conjunto, o Governo e a Troika, errassem tanto nas suas previsões. Eles têm mais informação do que eu, têm de prever melhor. Mas há uma coisa que me surpreende: quando dizem que ao fim de um ano de tratado de assistência já está provado que não deu resultado. As pessoas que dizem isso estão a partir do princípio que num ano haveria crescimento e progresso. Como é evidente, o programa destina-se a fazer com que isso aconteça em três anos, destina-se a criar um clima de austeridade, contenção e poupança para poder pagar algumas dívidas, criar confiança para o exterior e poder voltar aos mercados financeiros. Dizer, como o PS, o BE e o PC, que está tudo errado não faz sentido.

Não haveria outra solução que não a ajuda da Troika?


Creio que não. Ainda hoje estou à espera que me digam qual é. Houve quem sugerisse que Portugal fizesse um novo Fundo Monetário Internacional com a Argélia, o Brasil, a Venezuela… Houve tantos disparates ditos nos últimos anos. Mas não estou a ver qual seria a outra solução. Não pagar a dívida? Entrar em bancarrota? As pessoas que dizem isso são muitas vezes de esquerda e teoricamente estão a pensar nos trabalhadores, mas não pagar é muito pior. Se o país ? entrar em bancarrota, os ricos safam-se. Não se safa é a classe trabalhadora e desfavorecida. Não pagar ou pagar mais tarde é das coisas mais absurdas que têm sido ditas. Renegociar a dívida significaria mais anos de austeridade. Muita gente utiliza termos só porque sabem que as pessoas não entendem. É pura demagogia.

Não seria possível aliviar um pouco a carga exigida aos portugueses?


Quando estabelecemos um programa de três anos, e ao fim de 15 minutos aparecem pessoas a dizer que é preciso renegociar o prazo e diminuir a carga, passa-se um sinal à população de que nada é para cumprir. Infelizmente foi isto que o PS disse. Isto é oposição demagógica de quem está no Parlamento sem responsabilidades e diz o que lhe apetece. Estou convencido que, quando terminar o prazo, vamos precisar de mais um pacote de assistência, mas isso só se discute no fim. Não acredito que em 2013 já se começará a ver uma recuperação.

Aquilo que tem sido exigido aos portugueses tem um grande peso. No entanto, assiste-se a uma certa apatia. Já aceitamos tudo?

Não concordo. Os cidadãos perceberam que estávamos endividados e dependentes dos nossos credores, dos estrangeiros, que tínhamos vivido com complacência a mais durante 10 ou 20 anos, e que não nos importámos com o endividamento das famílias, das empresas ou do Estado. Acho que os portugueses perceberam que tínhamos todos errado. Não foram só os bancos os culpados. A responsabilidade também é de cada um que tomou as suas decisões, dos governos e dos partidos políticos que perceberam que havia o mundo dos dinheiros europeus e que esse mundo ajudava a fazer obra e a ganhar eleições e ficar no poder.

Habituámo-nos a viver ‘à grande’?

Não digo bem à grande, isso é excessivo. O primeiro-ministro falava do ‘regabofe’ e ‘à grande e à francesa’, mas também não foi assim. Portugal não é um país rico onde ainda há pobres; Portugal é um país pobre com alguns ricos. Se compararmos Portugal com a Suíça, a Holanda ou a Bélgica percebe-se isto. Mas tivemos 30 ou 40 anos em que houve um sistemático acréscimo do poder de compra e do nível de vida, e alguma euforia. Houve distribuição de rendimentos, melhoramento das desigualdades sociais e das condições de vida de cada um.

O que correu mal?


Percebeu-se que não tínhamos infra-estrutura industrial capaz de aguentar as crises e a globalização, que não tínhamos competitividade e produtividade para compensar a concorrência dos países que pagam salários baixíssimos como os asiáticos, que não tínhamos estrutura tecnológica e científica capaz de aguentar as reconversões industriais a fazer. E começámos a verificar que as vantagens e os melhoramentos tinham sido superficiais – a grande parte foram nas estradas.

Aponta-se o dedo apenas ao Governo de José Sócrates...

Todos os governos, desde a maioria de Cavaco Silva, têm a sua responsabilidade. Vale a pena estudar para ver quais as responsabilidades de cada mandato. Estou convencido que os governos Sócrates foram os piores de todos. Tanto Guterres como Cavaco tomaram medidas que ajudaram a hipotecar o país. Mas houve outros protagonistas. Cada um terá a sua responsabilidade.

Há que tirar consequências?


Sim, nomeadamente nas eleições. Se os partidos forem honestos em relação a quem fez o quê, há certas pessoas que poderão não mais voltar à política e partidos que terão dificuldade em voltar a ganhar eleições.

E prisão?

O erro não se paga com prisão, paga-se politicamente. Se fazem um cálculo do crescimento da economia e cometem um erro de previsão, isso não é crime.

Como analisa a liderança de Passos Coelho?


Não o conheço bem. Achei-o sempre afável, mesmo quando se dizia algo menos agradável não ficava crispado, como outras pessoas que conheço… Mas imagino que não estivesse suficientemente preparado para assumir as funções que está a exercer. Está a aprender na ferrugem, no terreno. Acho que tem melhorado e que faz bem em ser teimoso nos acordos internacionais. Mas é estranho que um homem tão afável não tenha capacidade para bem informar a população do que se está a passar. É preciso explicar melhor. Há falta de preparação, como no caso em que disse que os portugueses deviam ir para fora. Isto até pode ser dito por toda a gente, menos pelo primeiro-ministro porque parece revelar que o senhor se está nas tintas. Também acho que o excesso de protagonismo do ministro da Presidência é errado, como no caso da RTP

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