quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

126 Anos depois...

E esta hein?

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de
misérias,sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia
dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de
sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não
se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde
vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um
lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em
silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem ~
vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida
íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e
sevandijas (parasitas), capazes de toda a veniaga e toda a
infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a
indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente
inverosímeis no Limoeiro.

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este
criado de quarto do moderador; e este, finalmente, ornado
absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao
ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e
pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não
se fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no
parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala
de jantar."

(Guerra Junqueiro 1886)

Um comentário:

João, disse...

Se por um lado me entristece, que passado tanto tempo, como não foi possível mudar!... Por outro, deixa-me com algum optimismo, pois se sempre assim foi e não caímos...; talvez nos aguentemos como país nos próximos 126...