Do Blog "Albergue Espanhol":
Valerá a pena a crise política?
por António Nogueira Leite
Uma década de estagnação e as dificuldades que se avolumaram após 2009 tornaram clara a necessidade de levar a cabo alterações profundas e estruturais no padrão de especialização da economia de modo a obviar à insustentabilidade dos actuais níveis de endividamento externo do país.
A acumulação concomitante de uma dívida bruta ao exterior de quase 3 vezes o PIB e de uma dívida pública consolidada que excede largamente a riqueza criada pelo país em cada ano, exige que urgentemente se produzam alterações estruturais de monta numa dimensão nunca antes experimentada.
A globalização e a dificuldade política de reformar o Estado e a economia sem o analgésico da inflação colocam hoje a urgência do início de verdadeiras, mas muito dolorosas, reformas e de uma gestão mais rigorosa do dinheiro dos contribuintes.
A insustentabilidade da evolução da despesa pública é hoje óbvia e (praticamente) consensual. O país apresenta uma carga fiscal de cerca de 36% do PIB e apenas o conjunto dos salários dos funcionários públicos (14% do PIB em 2009) e das transferências para as famílias (22% do PIB em 2009) representam 36% do Produto.
Ou seja, o modelo seguido nos últimos quase 20 anos esgotou-se. A alternativa à reforma do Estado (que tem sido seguida por Teixeira dos Santos) passa por continuar a aumentar impostos e a esconder despesa actual (quer através do seu adiamento quer através da simples desorçamentação) só agrava o enorme problema que até já o governo reconhece existir. As dificuldades no acesso ao crédito externo impõem que se caminhe na solução deste problema, independentemente dos escolhos que vão aparecendo no percurso. Mas, este não é, de facto, o principal problema português.
A questão mais dificilmente ultrapassável reside no desenvolvimento de um modelo de crescimento assente na canalização de recursos para o sector de bens não transaccionáveis e à acumulação de um défice externo crescente.
A repetição de um défice externo durante um número significativo de anos (desde 1994), levou a uma acumulação muitíssimo significativa de responsabilidades brutas do país face ao exterior, tanto das famílias como das empresas e do Estado.
Por outro lado, Portugal regista uma taxa de poupança comparativamente baixa, e as perspectivas para o seu aumento significativo no futuro próximo são diminutas: as famílias estão muito endividadas, os accionistas das empresas exigem elevados dividendos para garantir o respectivo serviço da dívida e a poupança pública só advirá com cortes muito mais severos da despesa pública do que aqueles que têm sido propostos.
Portugal tem assim um caminho muito estreito mas indiscutível: aumentar a sua competitividade nos sectores de bens transaccionáveis (a despeito de a sua estrutura produtiva ser essencialmente concorrente com a dos novos países industrializados), os agentes privados e o Estado têm de poupar mais, e este, tem de diminuir o seu peso na economia de forma muito relevante.
Só com a reforma do Estado e do contrato social em vigor, a liberalização dos mercados de factores e de bens finais, uma melhor e mais eficaz regulação, e o fim dos investimentos em capital físico não reprodutível, Portugal pode ser viável.
Se a actual crise política servir para acelerar e garantir que todas estas mudanças ocorram mesmo, então terá valido a pena despoletá-la. Se conduzir a mais do mesmo, então constituirá apenas mais um escolho neste plano inclinado em que nos puseram.
Valerá a pena a crise política?
por António Nogueira Leite
Uma década de estagnação e as dificuldades que se avolumaram após 2009 tornaram clara a necessidade de levar a cabo alterações profundas e estruturais no padrão de especialização da economia de modo a obviar à insustentabilidade dos actuais níveis de endividamento externo do país.
A acumulação concomitante de uma dívida bruta ao exterior de quase 3 vezes o PIB e de uma dívida pública consolidada que excede largamente a riqueza criada pelo país em cada ano, exige que urgentemente se produzam alterações estruturais de monta numa dimensão nunca antes experimentada.
A globalização e a dificuldade política de reformar o Estado e a economia sem o analgésico da inflação colocam hoje a urgência do início de verdadeiras, mas muito dolorosas, reformas e de uma gestão mais rigorosa do dinheiro dos contribuintes.
A insustentabilidade da evolução da despesa pública é hoje óbvia e (praticamente) consensual. O país apresenta uma carga fiscal de cerca de 36% do PIB e apenas o conjunto dos salários dos funcionários públicos (14% do PIB em 2009) e das transferências para as famílias (22% do PIB em 2009) representam 36% do Produto.
Ou seja, o modelo seguido nos últimos quase 20 anos esgotou-se. A alternativa à reforma do Estado (que tem sido seguida por Teixeira dos Santos) passa por continuar a aumentar impostos e a esconder despesa actual (quer através do seu adiamento quer através da simples desorçamentação) só agrava o enorme problema que até já o governo reconhece existir. As dificuldades no acesso ao crédito externo impõem que se caminhe na solução deste problema, independentemente dos escolhos que vão aparecendo no percurso. Mas, este não é, de facto, o principal problema português.
A questão mais dificilmente ultrapassável reside no desenvolvimento de um modelo de crescimento assente na canalização de recursos para o sector de bens não transaccionáveis e à acumulação de um défice externo crescente.
A repetição de um défice externo durante um número significativo de anos (desde 1994), levou a uma acumulação muitíssimo significativa de responsabilidades brutas do país face ao exterior, tanto das famílias como das empresas e do Estado.
Por outro lado, Portugal regista uma taxa de poupança comparativamente baixa, e as perspectivas para o seu aumento significativo no futuro próximo são diminutas: as famílias estão muito endividadas, os accionistas das empresas exigem elevados dividendos para garantir o respectivo serviço da dívida e a poupança pública só advirá com cortes muito mais severos da despesa pública do que aqueles que têm sido propostos.
Portugal tem assim um caminho muito estreito mas indiscutível: aumentar a sua competitividade nos sectores de bens transaccionáveis (a despeito de a sua estrutura produtiva ser essencialmente concorrente com a dos novos países industrializados), os agentes privados e o Estado têm de poupar mais, e este, tem de diminuir o seu peso na economia de forma muito relevante.
Só com a reforma do Estado e do contrato social em vigor, a liberalização dos mercados de factores e de bens finais, uma melhor e mais eficaz regulação, e o fim dos investimentos em capital físico não reprodutível, Portugal pode ser viável.
Se a actual crise política servir para acelerar e garantir que todas estas mudanças ocorram mesmo, então terá valido a pena despoletá-la. Se conduzir a mais do mesmo, então constituirá apenas mais um escolho neste plano inclinado em que nos puseram.
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