(Ficção)
“Entra Marcos! Entra Marcos!"
Com esta invocação o bom padre João, há mais de setenta anos conseguia amainar a fúria incontida e natural existente em potência dentro do bezerro, ou toirinho, que os festeiros com as suas opas vermelhas e empunhando varas – ainda na altura denominadas “tocheiros de S. Marcos” e que se acendiam na procissão – iam escolher ao recinto da feira do gado nos arrabaldes logo contíguos à aldeia…”
O bezerro, todos os anos pelo dia do Santo, era oferecido por um lavrador, da aldeia ou das redondezas. E era uma honra oferecer um toirinho para a Festa, pelo S. Marcos. O animal para oferta distinguia-se dos outros, no terrado da feira de gado, pelo facto de ter sido antecipadamente marcado, enfeitado, apresentando um laço vermelho, preso entre os cornos. O lavrador, autor da oferta saía prestigiado perante os demais, daí o grande interesse e o facto de nunca ter faltado o bezerro para a função. A maioria das vezes, contudo, a oferta de um bezerro para o Santo resultava do cumprimento de promessa e, desde o nascimento chamado Marcos…”
(In IBN MARUÁN, 1992)
O relato desta tradição é sobejamente conhecido por toda a comunidade marvanense. Por altura das festas de S. Marcos, em Santo António das Areias, era oferecido um bezerro, por um ou vários dos lavradores da freguesia, em sinal de agradecimento pelos “favores” concedidos pelo santo padroeiro do “bom tempo”. No entanto, e de acordo com diversas testemunhas, parece que a tradição tem sofrido algumas variantes nos últimos anos, como foi o caso que aqui iremos tentar relatar.
TA: As personagens e as cenas aqui descritas são pura ficção, e qualquer comparação com a realidade é mera coincidência.
… o que vos quero contar, teve o seu início em meados do passado ano de 2009. O verosímil novo santo terá sido visitado na sua capela, por três abastados, mas invejosos, lavradores do concelho: o Narciso da Ribeira, a Maria Morgada e o Januário da Maça, com a finalidade de conseguirem uma bênção privilegiada, para que os seus bovinos criadores dessem à luz as mais belas crias jamais vistas na região.
A todos, o padroeiro atendeu com a franca cortesia de, quem ao longo dos tempos, conseguira granjear tamanha devoção unânime de gregos e troianos. No entanto, aos três fez o mesmo rogo, que só intercederia junto da mãe natureza, se a ele lhe fosse consagrado o mais gracioso dos bezerros, de tão fecundo investimento.
Não tardaram muito as respostas dos ambiciosos lavradores e, passado pouco mais de uma semana, todos eles, um de cada vez, se apresentaram junto do glorificado santo, para lhe declararem que sim, que poderia dormir descansado, que se ajudasse ele para que a fecunda colheita fosse melhor que a dos seus rivais, que o melhor dos toirinhos seria seu.
Logo que terminada a segunda visita dos distintos peregrinos, começou o devoto santo a meditar, que só teria capacidade para favorecer um dos crentes, pois a mais não estava mandatado pelo seu divo mestre, e que o melhor, seria o de reflectir muito bem, sobre qual dos três, estaria em melhor condição para o brindar com a tão almejada dádiva.
A primeira análise, incidiu no jovem lavrador Narciso da Ribeira, um excelente moço trabalhador, como diziam os seus vizinhos na região. Tinha herdado do seu rodovalho padrinho uns férteis terrenos, mas que o seu antecessor tinha deixado “embraviar”. Agora, as poucas reses criadoras que possuía, umas primíparas outras já muito velhas, dificilmente conceberiam crias de qualidade para o seu almejado manjar. Para além disso, era pouco sociável por estas paragens, onde se gosta de ver gente simpática.
De seguida, analisou as condições criadoras de Maria Morgada, senhora vistosa, com experiência na arte da criação, com terrenos férteis e bem compostos de farto arvoredo de sobro, onde pastava a sua manada. Contudo, algumas anomalias de casta, associadas ao seu mau génio, obstavam a que o negócio prosperasse nos últimos anos, e algumas más-línguas, afirmavam até, que o negócio da criatura estaria à beira da falência.
Por último, fixou-se em Januário da Maça, lavrador tipo camponês à moda antiga, que se havia estabelecido com a sua família na região já há alguns anos. Homem muito falador, de onde lhe vinha o apelido, embora houvesse quem afirmasse, que essa origem era por este afirmar ter sempre “bago” para tudo.
Os seus terrenos pedregosos eram os piores dos três e, com frequência, os seus maiorais o abandonavam e renunciavam a tanta dureza de vida. No entanto, e certamente devido a essas dificuldades, tinha tido a sorte de encontrar no passado recente, um bom rancho de pessoal obreiro, que lhe traziam a manada como uma dádiva, com rendimentos avultados, que lhe permitiam continuar a investir no negócio, e, já por mais que uma vez, havia adquirido propriedades aos seus desventurados rivais, onde pastavam agora as suas melhores cabeças criadoras, das quais havia sido gerado o mais belo vitelo da última oferenda.
Apesar de já em anteriores solicitações, o padroeiro do bom tempo ter preterido Januário da Maça em suas acções milagreiras, alegando falta de confiança e por não estarem garantidas as condições de sucesso de cumprimento da promessa, como foi o caso testemunhado por este narrador há quatro anos atrás, não foi muito difícil desta vez, o santo escolher o seu lavrador preferido, e assim lançar o seu olhar de bênção às progenitoras bovinas de Januário da Maça.
Claro que o santo padroeiro, não se quis ficar apenas pelo simples olhar de bênção, e diz quem observou, que o venerado santo, seguiu a fértil manada durante duas árduas semanas, onde, com o seu “assobio de encantar”, inspirou os bovinos machos a fecundar com os mais refinados sémenes, aquilo que viria a ser a mais surpreendente manada de toirinhos alguma vez observados nas tapadas marvanenses.
Por isso, com certeza, que o próspero lavrador lhe reserva a sua almejada promessa, o mais lustroso toirinho da criação, que se bem cuidado, e quando daqui a quatro anos for toiro adulto, lhe renderá, certamente, uns aninhos descansado. Não admira então, que por estes dias de Abril, o santo padroeiro, revelando uma satisfação desmesurada, tenha entrado na casa de Januário da Maça, e ouvido as tão esperadas palavras:
ENTRA MARCOS! ENTRA MARCOS!...
“Entra Marcos! Entra Marcos!"
Com esta invocação o bom padre João, há mais de setenta anos conseguia amainar a fúria incontida e natural existente em potência dentro do bezerro, ou toirinho, que os festeiros com as suas opas vermelhas e empunhando varas – ainda na altura denominadas “tocheiros de S. Marcos” e que se acendiam na procissão – iam escolher ao recinto da feira do gado nos arrabaldes logo contíguos à aldeia…”
O bezerro, todos os anos pelo dia do Santo, era oferecido por um lavrador, da aldeia ou das redondezas. E era uma honra oferecer um toirinho para a Festa, pelo S. Marcos. O animal para oferta distinguia-se dos outros, no terrado da feira de gado, pelo facto de ter sido antecipadamente marcado, enfeitado, apresentando um laço vermelho, preso entre os cornos. O lavrador, autor da oferta saía prestigiado perante os demais, daí o grande interesse e o facto de nunca ter faltado o bezerro para a função. A maioria das vezes, contudo, a oferta de um bezerro para o Santo resultava do cumprimento de promessa e, desde o nascimento chamado Marcos…”
(In IBN MARUÁN, 1992)
O relato desta tradição é sobejamente conhecido por toda a comunidade marvanense. Por altura das festas de S. Marcos, em Santo António das Areias, era oferecido um bezerro, por um ou vários dos lavradores da freguesia, em sinal de agradecimento pelos “favores” concedidos pelo santo padroeiro do “bom tempo”. No entanto, e de acordo com diversas testemunhas, parece que a tradição tem sofrido algumas variantes nos últimos anos, como foi o caso que aqui iremos tentar relatar.
TA: As personagens e as cenas aqui descritas são pura ficção, e qualquer comparação com a realidade é mera coincidência.
… o que vos quero contar, teve o seu início em meados do passado ano de 2009. O verosímil novo santo terá sido visitado na sua capela, por três abastados, mas invejosos, lavradores do concelho: o Narciso da Ribeira, a Maria Morgada e o Januário da Maça, com a finalidade de conseguirem uma bênção privilegiada, para que os seus bovinos criadores dessem à luz as mais belas crias jamais vistas na região.
A todos, o padroeiro atendeu com a franca cortesia de, quem ao longo dos tempos, conseguira granjear tamanha devoção unânime de gregos e troianos. No entanto, aos três fez o mesmo rogo, que só intercederia junto da mãe natureza, se a ele lhe fosse consagrado o mais gracioso dos bezerros, de tão fecundo investimento.
Não tardaram muito as respostas dos ambiciosos lavradores e, passado pouco mais de uma semana, todos eles, um de cada vez, se apresentaram junto do glorificado santo, para lhe declararem que sim, que poderia dormir descansado, que se ajudasse ele para que a fecunda colheita fosse melhor que a dos seus rivais, que o melhor dos toirinhos seria seu.
Logo que terminada a segunda visita dos distintos peregrinos, começou o devoto santo a meditar, que só teria capacidade para favorecer um dos crentes, pois a mais não estava mandatado pelo seu divo mestre, e que o melhor, seria o de reflectir muito bem, sobre qual dos três, estaria em melhor condição para o brindar com a tão almejada dádiva.
A primeira análise, incidiu no jovem lavrador Narciso da Ribeira, um excelente moço trabalhador, como diziam os seus vizinhos na região. Tinha herdado do seu rodovalho padrinho uns férteis terrenos, mas que o seu antecessor tinha deixado “embraviar”. Agora, as poucas reses criadoras que possuía, umas primíparas outras já muito velhas, dificilmente conceberiam crias de qualidade para o seu almejado manjar. Para além disso, era pouco sociável por estas paragens, onde se gosta de ver gente simpática.
De seguida, analisou as condições criadoras de Maria Morgada, senhora vistosa, com experiência na arte da criação, com terrenos férteis e bem compostos de farto arvoredo de sobro, onde pastava a sua manada. Contudo, algumas anomalias de casta, associadas ao seu mau génio, obstavam a que o negócio prosperasse nos últimos anos, e algumas más-línguas, afirmavam até, que o negócio da criatura estaria à beira da falência.
Por último, fixou-se em Januário da Maça, lavrador tipo camponês à moda antiga, que se havia estabelecido com a sua família na região já há alguns anos. Homem muito falador, de onde lhe vinha o apelido, embora houvesse quem afirmasse, que essa origem era por este afirmar ter sempre “bago” para tudo.
Os seus terrenos pedregosos eram os piores dos três e, com frequência, os seus maiorais o abandonavam e renunciavam a tanta dureza de vida. No entanto, e certamente devido a essas dificuldades, tinha tido a sorte de encontrar no passado recente, um bom rancho de pessoal obreiro, que lhe traziam a manada como uma dádiva, com rendimentos avultados, que lhe permitiam continuar a investir no negócio, e, já por mais que uma vez, havia adquirido propriedades aos seus desventurados rivais, onde pastavam agora as suas melhores cabeças criadoras, das quais havia sido gerado o mais belo vitelo da última oferenda.
Apesar de já em anteriores solicitações, o padroeiro do bom tempo ter preterido Januário da Maça em suas acções milagreiras, alegando falta de confiança e por não estarem garantidas as condições de sucesso de cumprimento da promessa, como foi o caso testemunhado por este narrador há quatro anos atrás, não foi muito difícil desta vez, o santo escolher o seu lavrador preferido, e assim lançar o seu olhar de bênção às progenitoras bovinas de Januário da Maça.
Claro que o santo padroeiro, não se quis ficar apenas pelo simples olhar de bênção, e diz quem observou, que o venerado santo, seguiu a fértil manada durante duas árduas semanas, onde, com o seu “assobio de encantar”, inspirou os bovinos machos a fecundar com os mais refinados sémenes, aquilo que viria a ser a mais surpreendente manada de toirinhos alguma vez observados nas tapadas marvanenses.
Por isso, com certeza, que o próspero lavrador lhe reserva a sua almejada promessa, o mais lustroso toirinho da criação, que se bem cuidado, e quando daqui a quatro anos for toiro adulto, lhe renderá, certamente, uns aninhos descansado. Não admira então, que por estes dias de Abril, o santo padroeiro, revelando uma satisfação desmesurada, tenha entrado na casa de Januário da Maça, e ouvido as tão esperadas palavras:
ENTRA MARCOS! ENTRA MARCOS!...
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