quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

De Marvão para o mundo (1987) …

Memórias da Rádio Ninho de Águias (Capítulo IV)

(Dedicado a Manuel Joaquim Gaio)

Foi curto o período da estadia em casa do Costa, pois o fenómeno começou a interessar muitos marvanenses, inclusivamente, os autarcas executivos da época. Mas foi um tempo indispensável para aprendizagem e recrutamento de novos “piratas”.

A Ninho de Águias acabaria por se mudar para as instalações da Câmara Velha, onde hoje funciona a Casa da Cultura e, que por esses tempos, estavam mais ou menos abandonadas.

O grande impulsionador desta mudança foi o Manuel Joaquim Gaio, que era também Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria. Não me lembro bem, se essa intervenção se fez como autarca, ou em nome individual, ou de ambas. O que sei, é que o Manuel, teve aí um papel preponderante, para além da participação na aquisição de um novo Emissor muito mais potente, que passou a levar a voz de Marvão, para norte, até às proximidades da cidade da Guarda; para ocidente, até à cidade de Abrantes; e para oriente, as ondas chegavam com facilidade à cidade espanhola de Cáceres; para sul, ficámos mancos, já que a serra de S. Mamede obstaculizava a passagem das vagas artesianas. Lembremos aqui, que nessa época, a cidade de Portalegre não tinha qualquer Rádio e a Ninho de Águias foi a pioneira deste movimento em todo o Norte Alentejano.

Com esta mudança, foi possível recuperar todos os colaboradores, primeiros e recentes, e ainda, recrutar novos; há excepção do Fernando Pinheiro, que nunca mais voltou.

O horário de funcionamento passou a ser aos dias de semana entre as 18 e as 24 Horas; e aos fins-de-semana, o horário alargava-se, chegando a funcionar mais de 12 horas por dia. Existia assim, lugar para todos e permitia aos ouvintes seleccionar os da sua preferência.

Deixo aqui um leque de alguns dos colaboradores que me lembro, desafiando os visitantes do Fórum a relembrar alguns que eu me tenha esquecido: Fernando Gomes, Jorge Marques, Caldeira Martins, João Vidal, Nuno Mota, José Boto, Luís Mourato, Carlos Abafa, Fernando Sabino, João Batista, Jorge Miranda, entre outros.

No que a mim diz respeito, realizava com regularidade dois programas semanais: um de cariz musical e mais intimista “o toco do castanheiro”; e outro de índole desportivo denominado “bola no chão”. Em relação ao primeiro, escreverei no próximo capítulo.

Já em relação ao segundo “o bola no chão”, que tratava todo o desporto distrital, tinha um colaborador “in vivo” no terreno, que hoje quero homenagear, e que me fazia chegar umas “crónicas escritas”, das quais eu só tinha conhecimento, muitas vezes, já depois de ter iniciado o programa, com uma caligrafia que eu não conseguia decifrar, mas portadoras de uma riqueza literária futebolística criativa, e, também especulativa, digna de fazer inveja aos melhores “comentadores do reino”, que me punha a gargalhar do princípio ao fim, a ponto de ter de interromper, com frequência, a sua narração.

Aqui fica a minha homenagem a esses tempos, e, sobretudo, ao Caldeira Martins, um verdadeiro “Gabriel Alves” do Norte Alentejano:

Crónica de um Tolosa – Nisa (em Iniciados: jovens dos 12 aos 14 anos)

“ (…) de Nisa, quase todos com uma compleição física impressionante, lançaram-se para o ataque e o primeiro golo não tardou.

Os de Tolosa, pequenos Davides como que atordoados por aquela avalancha de Golias vermelhos, tardaram a recompor-se e só a valentia e o valor do seu guarda-redes impediram que logo ali o prélio ficasse resolvido.

Até que o seu pequeno-notável Luís Filipe, lá conhecido pelo ÍNDIO, resolve pôr alguma ordem na equipa. Segura a bola rente ao chão, solicita o ponta-de-lança BACALHAU que fura entre os calmeirões da defesa do Nisa e empatou.

Pouco depois o mesmo BACALHAU numa marcação muito estudada de um livre-indirecto, põe o Tolosa a vencer. E mais podiam os da casa ter marcado até ao intervalo.

Logo que começou a segunda parte, o Nisa em desespero, fez adiantar os dois avantajados centrais numa tentativa de massacrar os MINORCAS de Tolosa na sua grande-área. E realmente, só a complacência da equipa-de-arbitragem e a inspirada manhã do guarda-redes local, foram adiando a concretização em golos dos remates em CATADUPA que procuravam as redes do Tolosa. De tal forma que quando finalmente chegou o golo do empate toda a gente julgou que era a rendição pura e simples dos mais franzinos.

Mas eis que o Tolosa faz entrar um nº 13 ainda mais pequenininho que os outros. Ainda não se tinha dado por ele, e já arrancava do seu meio-campo, tem artes de passar pelas 4 TORRES da defesa do Nisa, isola-se e contando com a ajuda do nº 1 adversário, volta a pôr o Tolosa a ganhar. Foi este o lance chave do encontro.

O extremo-esquerdo do Nisa, curiosamente o único baixinho, mas também mais habilidoso, limpava as lágrimas às mangas da camisola, mostrando uma pureza que, felizmente, ainda é muito frequente nos “futebolistas” mais novos. Os grandalhões não choravam, mas perdiam o ânimo.

E é nestas situações que os cronistas desportivos usam o lugar-comum do “banho-de-água-fria”, pois mais uma vez o EXÍMIO Luís Filipe resolve vir para a frente MUNICIAR o nº 9, BACALHAU, que faz o 4-2 e, esteve por várias vezes à beira de ir mais além.

Deste jogo, emotivo, como se de uma final se tratasse, queremos tirar algumas ILACÇÕES:

- Primeiro, a entrega, a falta de maldade, a pureza que atrás referi, com que estes rapazinhos se entregam ao jogo.

- Depois, o facto de terem aparecido como que por GERAÇÃO EXPONTÂNEA em Tolosa, um grupo de garotos com inegáveis dotes para o futebol, nomeadamente o ponta-de-lança BACALHAU e principalmente o “VAGABUNDO” Índio.

- E por fim, a necessidade que há de acautelar e trabalhar estes pequenos talentos. Luís Filipe, por exemplo. Quando há meses o vimos jogar pela primeira vez, ficámos com a certeza de estarmos perante um predestinado. Era a leveza, o MANDO, a superioridade, aquela maneira quase ETÉREA de correr em bicos-de-pés! … Mas, presentemente, e apesar da sua classe no essencial se manter, vemo-lo incorrer em pormenores medíocres, próprios de futebolistas vulgares (…).

Para “o bola no chão”, José Caldeira Martins.”


Como era belo o Futebool nos anos 80:





TA: Isto sim que era um hino “à séria”, para estimular a nossa Selecção em 1986, com letra de Carlos Paião, agora as escolhas de “inglesices” como ‘I Gotta a Feeling’ dos americanos Black Eyed Peas, feitas pelo sr. Queiroz!…
Já alguém imaginou a Coreia (norte ou sul), o Paraguai, Costa do Marfim ou Itália escolherem para hino uma música portuguesa? E se jogarmos com os “States”, vamos ouvir o dito hino? Que falta de feeling (sensibilidade), digo eu.

2 comentários:

Clarimundo Lança disse...

Ainda cá tenho os discos...se precisares?

Garraio disse...

Eu ia começar a mandar vir já com tanta estória seguida da rádio ninho de cucos...

Mas devo confessar que nunca jamais em tempo algum vislumbrei tanta "epicidade" numa crónica desportiva relacionada com uma jogatana em que, provavelmente, nem a redondadinha o era tanto...
Lindo.

De valor, valor, seria encontrar alguém que colocasse aqui um artigo, do próprio JCM, intitulado "O navio" e que foi das coisas mais "loucas", que alguma vez se publicou na imprensa local.
O tema era, já agora, as antenas da primeira sede da saudosa emissora...

(Só de pensar, parto a moca a rir..)