quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A censura e a prepotência são eternas…

Memórias da Rádio Ninho de Águias (Capítulo II)

O meu primeiro contacto com esta coisa das “rádios livres” deu-se, se bem me lembro…, em Outubro de 1986, após convite do Jorge Marques para uma Entrevista, enquanto Treinador da equipa sénior do Grupo Desportivo Arenense, para analisarmos a época futebolística 85/86.

Para mim uma Rádio, era um misto de curiosidade e surpresa, pois nunca tinha observado tal tecnologia, e jamais me imaginara a ter contacto com essas coisas, a não ser, o de mero ouvinte dos meus ídolos da telefonia, onde Carlos Cruz e o seu “Pão com Manteiga” ocupava o “ícone” máximo radiofónico (como foi possível Carlos, deixares-te arrastar para a “lama”!); mas também o João Chaves e o seu “Oceano Pacífico” ocupavam já lugares de destaque.

Tal como já escrevi no Capítulo I, o “estúdio” da Ninho de Águias, estava instalado no corredor da casa do Fernando Pinheiro, e era constituído por um Leitor Gravador de Cassetes, um Prato de Gira-Discos (instalado na Sala ao lado), e um Microfone, para onde, um de cada vez, os participantes “botavam palavra”. Penso que existiam outros artifícios, mas para mim era tudo a estrear e não fazia a mínima ideia, como era possível, que aquilo que ali se passava naquele corredor estar, simultâneamente, a sair numa caixinha em casa do Nuno Mota, que tinha ficado de me gravar em cassete, as “babosêras” a que fui respondendo ao “guião de entrevista”, escrupulosamente preparado pelo Jorge, que revelava já um desempenho digno de um profissional.

Nunca, ao longo da minha vida, tive uma opinião muito positiva, sobre essas coisas do amor à primeira vista…, ou do estabelecimento repentino de uma “química” atractiva, cativante e irresistível…, mas o facto, é que, no que diz respeito a este meu primeiro "toque" com a “Rádio”, a paixão aconteceu.

Uma semana depois da célebre entrevista, já tinha convencido o Pinheiro a dispensar-me aos sábados de tarde, uma horita do seu micro e órgãos anexos, para o meu primeiro “programa radiofónico pirata”.

Em minha opinião, as preferências musicais dos portugueses são, em geral, muito estranhas, pois variam entre um cancioneiro português com poemas brejeiros, a roçar o ordinário, com músicas primárias; e umas inglesices de vanguarda, das que não percebo patavina. Era este também, o universo musical da Ninho de Águias. Não se estranhe assim, o drama em que me vi envolvido nessa altura, para planear um programa musical que agradasse ao auditório, mas que não fosse idêntico aos já existentes.

Depois de uma noite mal dormida, lá fiz o alinhamento das músicas seleccionadas para a hora radiofónica, posta à minha disposição. Era um misto de moderna música portuguesa, intercalada com meia dúzia de canções anglo-saxónicas, que na minha inocência, me pareciam consensuais e passíveis de agradar a novos e meias-idades.

Não me lembro de momento do nome que dei ao dito, mas sei que escolhi para genérico, um tema do Fausto Bordalo Dias, denominado “roupa velha”, do qual não encontrei gravação actual nestas modernices do YouTube, mas que tem um refrão, mais ou menos assim:
“…rapariguinha cose a tua saia, velha de cambraia
Se outra não podes comprar…, baixa a bainha
Rasga o pé-de-meia, quando é magra a ceia
Quem te há-de aguentar, oh bonitinha…”

E foi assim, que nesse sábado ensolarado de Novembro, o “auspicioso” rádio-animador João Bugalhão, fazia a sua estreia nas ondas do éter radiofónico.

Após a entrada do “genérico”, com uma voz envergonhada, lá fui anunciando os objectivos que ali me traziam, soltando às ondas, a enorme satisfação que sentia por estar ali a cumprir um dos meus sonhos de menino e adolescente, e, de poder partilhar os meus gostos musicais. Cuidando eu, que não seriam únicos…, e que, em algum lugar, ao lado da tal caixinha mágica “brotadora” de música, alguém ficaria satisfeito por ouvir uma música do seu agrado.




(Sem "roupa velha"..., O Barco vai de saída)


E foi assim, que surgiu o primeiro tema musical, desse meu primeiro programa, dessa minha primeira vez…, intitulado “the boxer”, da dupla imperecível “Simon And Garfunkel”, pensando eu, que seria o tal “tema consensual”, capaz de agradar a gregos e a troianos, e assim, abrir com chave de ouro, a minha alternativa radiofónica. Bem enganado estava.




Ainda o Paul, dedilhava na sua guitarra, os primeiros acordes da mais emblemática balada da dupla, e já o telefone tocava ruidosamente, cogitando eu, ingenuamente, que aí vinham as primeiras “flores” da faena”, de onde eu pensava sair com as “duas orelhas e o rabo”…

Segundos depois, já o embaraçado Pinheiro chegava arfando junto de mim, pronunciando que desculpasse, mas que eu não podia continuar a por música…., porque tinha telefonado a vizinha “senhora L***** ”, inquirindo se tinha morrido alguém…, porque a Ninho de Águias estava a transmitir música fúnebre!

Começou mal este ilustre pirata radiofónico….

Pouco tempo depois, viu-se Fernando Pinheiro obrigado a finar esta “menina” dos seus olhos, por não resistir a estas e outras pressões ignóbeis de um poder prepotente. Quanto ao "ilustre pirata”, havia de continuar a sua aventura radiofónica noutros locais, malgrado os gostos da dona L*****.

TA: Como não foi possível arranjar o “roupa velha”, deixo-vos o “barco vai de saída”, igualmente bonito.

2 comentários:

Fernando disse...

Bom, de forma rápida, pois a internet wireless em Espanha ainda não chegou aos Hotéis e tenho pessoas à espera que eu termine, só deixar umas notas.

Noutra fase da Rádio, referir a figura do falecido João Costa.Incontronável neste projecto, e após a sua morte, o papel que o Manuel Joaquim Gaio desempenhou.

Depois da casa do sr. Pinheiro, que foi quem esteve na origem dessa rádio "familiar" e podemos discutir porque digo familiar, a Rádio Ninho D´Àguias passou a ser emitida numa segunda fase da casa do casal João Costa e Piedade Sabino, a actual Albergaria El-Rei Dom Manuel.

Noutra fase, passámos a transmitir de uma sala da actual Casa da Cultura, mesmo ao lado do tribunal, que hoje, devido ás obras já não existe.

Muito havia para contar. Afinal fui daqueles que se mantiveram até ao fim. Ainda me lembro de vir da escola de Castelo de Vide, ficar em Marvão, comer na casa do manel Joaquim,Pensão D. Dinis ou do Sr. Domingos Sabino/Jacinta Oliveira, abrir a Rádio às 19:30h e ir para casa perto da meia noite.

Lembro que muitos dos programas, tinham os respectivos autores, mas os técnicos de som eramos quase sempre os mesmos. Eu, Fernando Sabino, Jorge Marques e outros...

Caro Bugalhão,

O que se havia de lembrar...

Eu que estou a coordenar um projecto de História oral na CGTP-IN, com recolha de testemunhos de antigos dirigentes, penso que no Concelho de Marvão, temos que fazer o mesmo com algumas pessoas em diversos temas, desde o Rancho e o sr. Vidal, sobre a Rádio, o contrabando, temos tanta riqueza cultural que é um crime não trabalhar para a memória colectiva estes temas...

Tiago Pereira disse...

Depois da tua deixa Fernando (eu que não sou do tempo da Rádio Ninho D'Águias), confiro aos presentes um trabalho excelente, e do melhor que tenho visto fazer, no sentido de preservar a história e a cultura de um local:

http://www.soitodaruiva.com/

Bons cliques,
e que continue o debate!