Lá estou eu, cara leve e esguia, olhos vivos e envergonhados.
Os outros estão como eu, também um pouco nervosos, afinal o momento é importante.
- Agora, agora, diz o homem da máquina.
- Já está, ficou bem à primeira.
Assim foi tirado o único retrato da época futebolística, à equipa de futebol.Pensei, agora só para o ano, quando já for Juvenil.
Recordo-me como se fosse hoje, sempre que olho para esta fotografia tirada há trinta anos.Que saudades, que tempo maravilhoso e despreocupado.
O que ficou?
Tanto que, senão tivesse feito parte dessa equipa, esse grupo, essa família de irmãos de idade, de cumplicidade, de vivências várias, não seria certamente a pessoa que sou hoje.
Quantos não terão essas mesmas recordações? Quantos reconhecem a importância desse passado comum? Quantos foram moldados, pelas corridas, pelos chutes na bola, pelas conversas e traquinices aos colegas? Quantos aprenderam, sem dar conta, o que é trabalhar em equipa e para a equipa? Quantos aprenderam lições de bom comportamento e o que é respeitar os outros? Quantos ganharam autoconfiança, aprendendo a lidar e ultrapassar os problemas da equipa, o carácter, a capacidade de sacrifício, o trabalho?
Podia continuar a focar outros aspectos importantes, mas fico por aqui.
Os que tiveram esta experiência, sabem a resposta às perguntas feitas. O que é que pretendo com tudo isto?
Apenas alertar, para o importante papel que os clubes ou outras colectividades de futebol têm na formação dos jovens, e que, alguns teimam em esquecer. Jovens esses, que sem se aperceberem, já têm o homem que serão plantados no seu interior, e que mais tarde, há-de emergir com os valores e conquistas semeados nesses tenros anos.
Que importância tem isto? Toda, senão vejamos:
- Ao nível de saúde, os miúdos ganham desenvolvimento muscular em detrimento da obesidade, que lhes dará força, lhes molda o corpo, numa época em que a perfeição corporal é procurada a todo custo.
- Os jovens hiperactivos, com energia a mais, ficam mais calmos, com menos stress, e aprendem a dosear esses piques de energia, por outro lado, os mais calmos aprendem a ser mais espevitados.
- Serão confrontados com um dos aspectos mais importantes da vida, o ter que pensar e decidir com rapidez em prol da equipa, o resto da vida terão que o fazer.
- A nível social, estes jovens fazem amizades duradouras, para a vida.
- Aprendem a trabalhar em grupo, onde cada um tem a sua importância, onde cada um se sente importante, ganha-se a vaidade de fazer parte de algo, de se sentir útil, e mais tarde, entende melhor os conceitos de autoconfiança, do ser positivo e optimista, do que é capacidade de trabalho e humildade.
- Estes clubes ou colectividades de futebol, permitem-lhes deslocações a outros lugares que até então desconheciam, tendo acesso a outros comportamentos, a outras formas de pensar, vão aprendendo a conviver de outra forma.
- Um miúdo no campo de futebol pode ser artista e sonhador, disciplinado ou rebelde, companheiro ou individualista, reclamar o seu território, lutar, decidir, pode ser ele próprio, em liberdade.
Tudo isto sob o olhar atento do treinador, orientador, gestor, mentor, amigo, ou o que lhe quiserem chamar. Pessoalmente, prefiro chamar-lhe companheiro, porque a sua função mais importante não deverá ser a de apontar o dedo ao jovem atleta e indicar-lhe o caminho a seguir, mas sim, o de ser o primeiro a entrar nesse caminho chamando o jovem para seu lado.Tudo isto se irá reflectir na escola.
Claro que não é só nos clubes de futebol que se verifica esta realidade, ela verifica-se nas mais variadas colectividades e actividades, sempre que os jovens são chamados a participar.O fundamental e imperioso é chamar os jovens a participar.
Como é que isso se faz?
Com muita vontade, sacrifício e gosto pelo “fazer”, isto na grande maioria das vezes basta.Os jovens na maior parte do tempo estão só à espera, aborrecidos, esperançados, ansiosos que haja alguém com vontade de “fazer”.
Mas falta ainda outra parte, também ela muito importante e, que retira muitos ganhos futuros da simbiose clubes/jovens desportistas.Refiro-me às Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia e empresas locais, que muitas vezes, com um pequeno grão, uma pequena ajuda, alimentam a vida de muitos jovens e tornam possível as coisas acontecerem.
Pensarão alguns, se calhar não é o momento certo para falar em apoios ou ajudas, estamos em crise económica.Não estou de acordo, o momento é certo, é sempre certo, porque a crise que está instalada, não é deste mês nem deste ano, talvez seja dos últimos 10/15 anos, porque a crise não é económica, é de mentalidades.
As Câmaras queixam-se que não têm pessoas, os jovens que representam o capital activo vão-se embora para as cidades que lhes fornecem melhores condições de trabalho. Pois é, prevejo que se vão continuar a queixar, até porque serve de desculpa para muita coisa.
Não há jovens, não há empresas, não há dinheiro, não há desenvolvimento, pára-se no tempo e mais grave na mentalidade.
Mas é legítimo, mais tarde perguntar, porque já se foi jovem, nasceu e cresceu nessas povoações, se pergunte às Câmaras, Juntas e empresas:
- O que fizeram por mim?
- O que me deram?
- Apostaram na minha formação, ou foi mais importante gastar umas massas na celebração de acordos que saem nos jornais, mas que só trazem benefícios fantasmas?
Afinal, somos alentejanos e por isso muito ligados à terra, não podemos por isso esquecer do sábio popular:
“Conforme semeares, assim colherás.”“Conforme fizeres, assim acharás.”
Os jovens devem ser cuidados, acarinhados, ensinados a gostar do que é seu, porque se assim não for, no futuro, aqueles que ficarem, pouca vontade terão de intervir e de melhorar as instituições da sua terra, afinal, só as raízes mais fortes são difíceis de arrancar.
Por isso, a única solução que estas instituições têm, é ajudar, porque na maior parte das vezes, o dinheiro gasto numa rotunda ou numa escultura que ninguém percebe e que nem sequer acrescenta nada à paisagem, dava para apoiar o futebol jovem num clube durante dois ou mais anos.
Não se devem enganar, nem enganar os outros, porque não estão a gastar dinheiro no futebol, estão a ajudar na formação de jovens.
Muito mais coisas haveria a dizer, algumas até desagradáveis, mas os tempos são de realçar o positivo, de encorajar os que têm capacidade mental para intervir, de fazer as coisas acontecer.
Parabéns e um abraço de estima àqueles que quando chegaram ao alto muro, não desistiram, saltaram-no, e a seu lado vão acompanhando os jovens de agora, e que daqui a trinta anos recordarão com saudade este tempos.
Mário Bugalhão
3 comentários:
Em primeiro lugar quero dar-te as boas vindas, por seres mais um colaborador deste espaço.
Mais um “olhar” de alguém que está fora, mas como tu dizes, aqui deixaste as tuas “raízes”. É reconfortante constatar, que é através do desporto e, nomeadamente, através do GD Arenense, que encontras essa identificação.
Quanto ao conteúdo desta tua 1ª participação, para mim ela tem tudo, para merecer uma reflexão séria acerca dos diversos problemas que levantas.
Claro que sou duvidoso na apreciação que faço deste teu Post, ligam-nos laços afectivos que não me deixam ser objectivo, e, muito menos, parcial. Por isso deixo para outros, apreciações mais profundas que tua reflexão merece. Eu, talvez, só mais tarde consiga fazê-la…
Só tenho pena, se alguns dos actuais e futuros responsáveis políticos da nossa praça, não tenham oportunidade de ler e reflectir sobre o que aqui nos trouxeste.
Para mim foi uma das mais sérias reflexões aqui trazidas, nestes seis meses de existência do Fórum.
Está de parabéns este espaço e está de parabéns o Mar Zé!
Já agora sabes me dizer por anda o teu primo lbugas?
As boas vindas ao Mário.
Forte, muito forte o teu post!
E como eu me revejo nele…
Não. Não, hoje os responsáveis locais não conseguem enxergar tudo isso que descreves! Pior… a maioria dos pais não o conseguem enxergar…
Destaco, ainda, a questão emocional… depois de tantos anos, guardas ainda tão marcadamente estes episódios no teu coração…
Sintomático!
Grande Abraço
Bonito Dias
Nota - JBuga: o que se passa? Tão afastado e tão…“flat”…! Humhum!!!!!
Boas-Vindas.
Feliz pelo post.
Ainda á tempos atrás tinha discutido estes parametros com o meu amigo Garraio, aqui neste forum.
"dando em contrapartida lições de civismo, asseio (sim asseio porque muitos dos atletas que passam pelo GLORIOSO até isso aprendem a tomar banho, vulgo lavar-se na gíria) e camaradagem"
Quanto ao teu primeiro post, só digo o seguinte, vou propor que se faça um quadro e que seja afixado nos balneários e porventura nas instalações do clube, nomeadamente no quadro de convocatórias, etc..
É digno de um José Mourinho..
Abraço
Clarimundo Lança
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