terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ficção, ou realidade...


De repente, tenho de novo 16 anos, e vejo-me sentado numa cadeira de madeira, no Cinema “piolho” que frequentei na época. Na minha frente, projecta-se na tela um filme saído do Oeste americano, cujo tema é a luta pela “conquista de propriedade e de utilização de terras”.

A primeira cena decorre no largo da igreja local. O Reverendo, um senhor de voz grossa e farto bigode, lidera um ajuntamento de pessoas, onde se debate a compra dos terrenos circundantes da aldeia, por colonizadores desconhecidos.

Num pequeno relanço pela assistência posso divisar cerca de 50 participantes, constituída, principalmente, por colonos vindos há alguns anos para estas paragens, mas também alguns indígenas… poucos!

Aproveitando um pormenor focado pela objectiva, posso observar ainda, alguns figurantes que dificilmente se integram nestes dois grupos: 3 ou 4 personagens com fatiotas de espirituais, certamente Reverendos das terras vizinhas; divisa-se ainda, um pequeno grupo, com aspecto de boieiros ou garimpeiros, com a sua garrafa de “scotch popular” na mão, cigarro no canto da boca, murmurando entre dentes e prontos a intervir na contenda a qualquer momento.

Num outro pormenor, num dos cantos do largo enxergo «Doc», ar inquieto, observando com minúcia toda assistência, enquanto acaricia por debaixo do seu sobretudo a sua pequena “Derringer” dos tempos modernos. O seu ar fica mais calmo, quando divisa que os boieiros-garimpeiros estão desarmados ou, à primeira vista, parecem estar.

O Reverendo abre o debate informando que a sua instituição está ali apenas para dar a palavra aos participantes, nomeadamente, sobre o que eles pensam das aquisições de terrenos na sua terra por parte de desconhecidos; bem como a colocação de "cercas" megalómanas que os envolvem. O que, em sua opinião, estão a descaracterizar a paisagem que considera protegida por lei.

O primeiro a tomar a palavra é um desses colonos mais antigos, de origem nórdica pelo sotaque bárbaro, que afirma que possui há anos na região, um pequeno negócio de aluguer de hospedaria para visitantes dessas paragens, e que desde que essas "cercas" começaram a ser levantadas o seu negócio diminuiu, já que, os visitantes são amantes da livre circulação que estes lugares sempre ofereceram, e, que agora, se sentem restringidos na sua liberdade e por isso deixaram de vir...

Ainda esta intervenção não tinha chegado ao fim e já um primeiro boieiro-garimpeiro vociferava numa linguagem vernácula: - O que essa gente quer, em vez das ditas "cercas", são plantações de cannabis!”

Foi então que um dos indígenas tomou a palavra, queixando-se que os "construtores de cercas" lhe haviam destruído as paredes das suas propriedades, e que lhes dava um prazo de 15 dias para as repararem, senão, teriam que se haver com ele...

Por esta altura, «Doc», cogitava com os seus botões: "E os mandantes? Porque não estão aqui os mandantes?"

A intervenção seguinte pertenceu a uma senhora que acompanhava o Reverendo do bigode farto, argumentando com o ardor que só as mulheres conseguem ter, que apesar de não ter nascido por esses lugares, que se sentia como se o seu coração pertencesse desde sempre a essas terras! Que agora, cercadas por vedações, se estavam a desvalorizar para as pessoas que ali investiram, que também existiam informações que os novos proprietários pretendiam era a exploração mineira dos subsolos desses terrenos, e, o que agora pareceriam "ganhos", daqui a anos poderão ser pesadelos...

Abruptamente, o primeiro boieiro garimpeiro interrompeu, mais uma vez, a dama bem-falante, argumentando agora de forma mais agressiva: - O que vocês querem é acabar com o nosso ganha-pão. Os nossos patrões, pelo menos são empreendedores e pagam ordenados a 22 pessoas! E vocês que têm para nos oferecer? Criem vocês empresas e dêem-nos trabalho. Isso que essa senhora disse são tudo imaginações, pois ela nada percebe de cultivo. Nós é que sabemos!

No seu canto, «Doc», continuava a questionar-se: "E o xerife? E os seus ajudantes? Porque não estarão eles aqui? Porque fogem eles ao debate e aos esclarecimentos?"

Seguiu-se a intervenção de um daqueles prováveis espiritualistas de terras vizinhas, que procurou deitar alguma água na fervura, argumentando contra as autoridades do Estado, tanto as centrais como as locais, que até aqui nada tinham feito para travar estes devaneios dos invasores. Que apesar de estarmos em áreas que deveriam fiscalizar e proteger, se limitavam a vagas respostas, e que mais pareciam estar feitos com os construtores das cercas, etc., etc.

Mas logo foi interrompido por um segundo boieiro-garimpeiro que, de garrafa de “scotch popular” na mão esquerda, e indicador direito apontado ao da fatiota, proclamou: - As cercas têm apenas a finalidade de delimitar essas propriedades, que são privadas e têm donos, o Estado aqui nada manda. No seu interior apenas abrimos trilhos para o treino de cavalos selvagens, plantamos arbustos para os “bíbaros” e faremos criações de animais domésticos...

Nesse momento interveio então outro dos indígenas, contrariando com igual agressividade a arguição dos boieiros-garimpeiros, contrapondo que, para essas actividades pecuárias não se justificavam "cercas" com quase 3 metros de altura, que ele sempre criara animais naqueles terrenos, e que "cercas" com altura de 1,5 metros eram mais que suficientes para os animais não saltarem. O que eles ali estavam a fazer era um completo disparate! Ou então, outras intenções haveria...

Perante esta contraposição, os boieiros-garimpeiros começaram a abandonar o local, mas não, sem que antes, lançassem alguns insultos e ameaças aos presentes, tais como: - Vão para as vossas terras, vocês não são de cá, e, aqui não mandam nada, etc., etc...

Por essa altura, já eu me levantava da cadeira de pau em que assisti a este filme, dando por mal empregue o tempo e o dinheiro do bilhete! No entanto, quando me preparava para abandonar a sala, lá lancei um último olhar para a tela e pude observar «Doc», de dentes cerrados, abandonando o largo da igreja, murmurando:

- Que responsabilidade têm estes pobres diabos? Porque não dão a cara os mandantes? Porque não apareceu o xerife e os ajudantes? Será cobardice?

7 comentários:

Helena Barreta disse...

Pelo que percebi, baralharam, deram de novo e não disseram nada.

Luíza disse...

CADA QUAL SUA REALIDADE...
o FILME E AS PERSONAGENS QUE O CARO sR. bUGALHÃO VIU NÃO FOI O MESMO QUE EU VI.
nÃO VI "o SENHOR DE FARTO BIGODE", NEM "OS COLONOS", NEM "OS REVERENDOS", NEM "A SENHORA BEM FALANTE"... o MEU FILME FOI OUTRO, ALIÀS, VI UM FILME E RELI UM LIVRO , "O GERMINAL" DE ÉMELI ZOLA, E "A NARRATIVA DA VIDA DE FREDERICK DOUGLAS, UM ESCRAVO AMERICANO". POIS É CADA UM VÊ O QUE PODE.
LUIZA ASSIS
PS: VIVAM OS CORAJOSOS

João, disse...

Minha cara Luísa, aceito que não tenha compreendido a alegoria (discutível e discordável), que engendrei para descrever uma ocorrência que considero da maior seriedade; creia que não é falta de respeito para com todos os participantes. Esta foi a forma que encontrei para dar voz a todas as opiniões que participaram nessa sessão.

Mas não estando a minha amiga de acordo com a minha delineação, é aproveitar este espaço para nos dar a sua versão dos acontecimentos. Os nossos visitantes certamente agradecerão.

É na diversidade e na troca que está a riqueza...

Notas de definições das personagens referidas, de acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa:

- Reverendo = Respeitável, digno de reverência.

- Colono = Indivíduo que faz parte de uma colónia (neste caso estrangeira)

- Indígena = Natural da região em que habita

- Vaqueiro, Cowboy (Boieiro no Alentejo) = Figura mítica do oeste americano

- Garimpeiro = Explorador de minério

Luíza disse...

UMA CORRECÇÃO:
Eu queria dizer no meu outro post:
PS:Viva os corajosos

Luíza disse...

Meu caro sr.Bugalhão, o eu não ter visto o seu filme não significa nada, simplesmente quis partilhar consigo o filme e o livro que eu vi.
Gosto de conversar, discutir ideias, mas sou minimalista nestas conversas de blogs.

Estou, estamos (o grupo SOS SÃO MAMEDE), seriamente empenhados naquilo em que acreditamos ser o nosso dever civico, continuando a denunciar , investigar e exigir das autoridades resposta às nossas perguntas sobre o que se passa no Parque Natural da Serra de São Mamede.
Como teve tempo para ver, pelos documentos expostos na sala do Grupo Desportivo Arenense, não baixamos os braços.
Muito trabalho temos pela frente...

Isabel I disse...

Perdoem-me a intromissão, uma vez que não sendo indígena, nem reverenda, nem boieira, sou pouco mais que uma outsider. Mas a simples leitura deste blog revela-me um concelho à deriva, em que munícipes indignados, desamparados e até agredidos tentam sem resultado ser ouvidos, ser tidos em conta e ser respeitados. Não estará na altura de mudar este estado de coisas? Mas afinal o que ou quem é que impede o povo de Marvão? Uma quadrilha de pistoleiros? Ou um xerife sem estrela? Ou um bando de caciques sedentos de ouro? Lá que parece o farwest, parece. Mas é bastante mais sério que isso.

Gilberto Gil disse...

João, esta muito bom, até tive pena de não haver mais para contar. A forma como colocou o desenrolar dos acontecimentos com uma história de cowboys… Muito bom mesmo! Abraço! :)