terça-feira, 2 de março de 2010

José Coelho in "http://tocadoscoelhosbeira.blogspot.com"

O resto é (mesmo) paisagem...


Ao sobrevoar, há dias, os céus de Lisboa e tendo a sorte de ocupar um lugar junto a uma vigia da aeronave, tive o raro privilégio, dada a luminosidade daquela esplêndida manhã, de desfrutar da magnífica paisagem que se vislumbra lá do alto, enquanto ganhávamos altitude na nossa rota rumo ao Funchal.

E não pude deixar de compreender, assim de uma assentada só e sem mais explicações, porque é que o meu concelho de Marvão e as suas aldeias estão semi-vazias de gente, com inúmeras casas fechadas e sem perspectivas de futuro. Não vale a pena tapar o sol com a peneira.

Falo de Marvão que é o profundo Portugal onde moro, mas sei que toda a faixa interior que vai de Bragança a Vila Real de Santo António enferma do mesmo mal.

E porquê? Fácil!

Porque, de Abrantes até ao Oceano Atlântico, as vilas e cidades pegam quase umas nas outras e é visto assim, lá do alto, que isso melhor se percebe. Daquela janelita do avião, parecia uma só cidade, até onde o meu olhar alcançava, numa extensão incalculável de litoral, até que por fim a altitude não permitiu que se vislumbrasse mais do que um maravilhoso e único tapete de nuvens brancas e aparentemente fofas como algodão, mesmo por baixo de nós.

É completamente impensável já reverter tal situação. Somos poucos por cá já hoje. Seremos cada vez menos, não o duvido, no futuro. Vão restando alguns jovens resistentes e os reformados como eu que dão ainda alguma vida às aldeias e criam alguns empregos nessa nova indústria que são os lares e centros de dia. Quando forem actualizados os censos, aposto que seremos menos 30 ou 40% de cidadãos marvanenses, do que os contabilizados na última vez...

No litoral, pelo contrário, há demasiada gente. Mas ali há também oferta de quase tudo o que as famílias necessitam. Eu próprio já pouco conto com os meios daqui. Quase tudo o que preciso ali encontro com precisão, eficiência e rapidez e está à distância de duas horas de viagem no meu velhinho Corsa. Chatices para quê? Bairrismo? Uma ova! Isso era dantes.

Na terra do bom viver, faz sempre o que vires fazer. E eu assim faço mesmo. Santos de casa não fazem milagres e os de Marvão então, é um descalabro. Uma vergonha. Aqui só se cuida e trata bem quem de cá não é. Turistas? Não! Modernices...

Um dos meus filhos já se foi de vez e diz sem papas na língua que não quer para cá voltar. O outro, não sei bem ainda, mas provavelmente seguirá o mesmo caminho, porque aqui só nos conhecem e dão alguma atenção em época de eleições. Passados os votos... Quem és tu?

Uma vergonha. Porém se calhar também só temos o que merecemos, porque continuamos estupidamente a votar neles. E resmungamos, resmungamos, mas lá vamos andando e achando que talvez as coisas mudem ou melhorem...

Porém, velho que também já vou sendo, já deduzi há algum tempo que o melhor é esperarmos sentados, para não cansar tanto as pernas!

E, cada vez mais, aquela conhecida máxima, oriunda do (algo já saudoso) tempo do António de Santa Comba, vai sendo de novo uma realidade nua e crua...

Portugal é Lisboa e o resto...

Quando viajarem de avião olhem bem cá para baixo e com certeza verão dissipadas as vossas dúvidas. Se por acaso as tiverem ainda.

6 comentários:

Miguel disse...

No tempo do saudoso António de Santa Comba Marvão era uma vila próspera e feliz, a abarrotar de população que gozava as delícias do pleno emprego e do saudável trabalho agrícola com horários de trabalho, salário mínimo, 13.º mês e subsídio de férias, sindicatos livres, direito de associação e de reunião. AS mulheres, plenamente emancipadas, aproveitavam os fins-de-semana para, cantando e rindo, lavarem a roupa na fonte do concelho. A habitação era um luxo: isolamento de coberturas, etc. Da actividade cultural, nem se fala; ele era cinema, e teatro, bibliotecas de fácil acesso, clubes de leitura e de discussão. Analfabetos? Nem vê-los. Não havia mortalidade infantil.
Um (saudoso) paraíso.
Só tinha um defeito: a censura prévia; do que resultava que este comentário, provavelmente, seria alvo do lápis azul, e o seu autor, não se escondendo no anonimato, iria, na melhor das hipóteses, passar umas férias a Caxias.

Miguel Teotónio Pereira

José Coelho disse...

Não fora a ácida e algo indelicada ironia deste comentário e não estaria eu aqui, a responder à letra, ao seu irónico comentador, apesar de não o conhecer de lado nenhum, nem ter qualquer interesse nisso.
O TEMPO ALGO SAUDOSO do tal António, foi o tempo em que eu nasci cresci e me fiz gente, sem nunca arredar pé de Marvão.
E não chamei saudoso, como qualquer pessoa pode, se quiser, verificar, ao António de Santa Comba, mas sim ao TEMPO em que Marvão era um Concelho muito feliz sim senhor, muito mais feliz que hoje, e fi-lo em sede própria, num blogue meu e não aqui, tendo esse artigo sido de lá copiado e para este Forum transcrito por alguém que assim o entendeu e ao que nada tenho a obstar.
No entanto e já agora, porque sim, reafirmo e sublinho, linha a linha, vírgula a vírgula, tudo quanto escrevi e mais ainda acrescento que nesse SAUDOSO tempo, as aldeias de Marvão estavam cheias de gente, com uma ou mais escolas em cada uma delas a abarrotar de crianças, com trabalho aos montes para quem quisesse trabalhar.
A começar pelo extremo norte do concelho, a Herdade do Pereiro era um aglomerado populacional rural onde residiam permanentemente mais de cem famílias e ali trabalhavam o ano inteiro, onde existia mesmo uma escola e cantina escolar para os filhos dos trabalhadores, uma capela para assistêncioa religiosa e uma mercearia para aquisição dos géneros necessários às donas de casa. Para além destes residentes, acolhia esta herdade outras tantas almas que diariamente para lá se deslocavam a trabalhar nas duas fábricas de moagem de pimentão ou para o lagar, ou mesmo para a preparação de conservas de azeitonas e não só. Sazonalmente, em época de colheita de azeitona, deslocavam-se de Montalvão e de outras localidades, ranchos de gente que ali permaneciam desde Novembro a Fevereiro.
Por sua vez, a Beirã, a minha amada aldeia, era um importante centro ferroviário e aduaneiro que chegou a ter mail de mil habitantes, para além de toda a componente das casas agrícolas em seu redor que sustentavam as necessidades consumistas de toda a população e criavam também inúmeros postos de trabalho.
Santo António das Areias então, era um extraordinário polo industrial que dava trabalho, vencimentos e estabilidade a mais de metade das famílias do concelho, pois vinha gente de todas as aldeias e lugares trabalhar nas suas indústrias.
Na vila de Marvão não havia, NESSE TEMPO, como há hoje, ruas inteiras de casas semi-vazias.
Na Portagem já existia a serração que ainda lá está hoje e, embora em número mais reduzido, também alguns restaurantes que já nesse tempo geravam alguns postos de trabalho.
A fronteira dos Galegos era um autêntico jardim habitacional. Na Escusa, explorava-se a cal e vivia-se da exploração agrícola de todo aquele excelente e fértil vale do Prado, hoje ocupado pelo muitíssimo mais rentável Campo de Golfe...
Resumindo.
É desse tempo que eu manifestei saudade, estando-me literalmente nas tintas se o tal gajo que ocupava o poleiro do poder era um António ou algum hipotético José.
Desculpe, por isso, Senhor Miguel Teotónio Pereira, se me esqueci do salário mínimo nacional, do 13º mês, do subsídio de férias e de todas as actuais mordomias que por acaso também eu usufruo, mas que são praticamente inúteis para os agora tão felizes marvanenses - como por exemplo os meus dois filhos - que têm que rumar a outros distantes destinos, se quiserem sobreviver, porque aqui, a tal antiga, malévola e diversificada oferta de trabalho DO TAL SAUDOSO TEMPO, é apenas e só também, UMA SAUDOSA MIRAGEM...

José Manuel Lourenço Coelho

Miguel disse...

Peço desculpa, mas tenho que replicar.
Dois preliminares: não entendo onde é indelicado o meu comentário, mas o Sr. José Coelho poderá fazer-me entender; entretanto, por falar em delicadeza, ou na falta dela, faço-lhe notar que eu nunca disse que não teria gosto nenhum em o conhecer; por outro lado, talvez me possa explicar, e a quem nos lê, a subtil diferença entre "o saudoso tempo do António de Santa Comba" e o "tempo do saudoso António de Santa Comba". A caracterização do "saudoso tempo" como sendo o do "António" é inocente?
Conheci Marvão em 1966. Talvez tenha conhecido uma realidade diferente da sua. A realidade nunca é plenamente objectiva: depende sempre dos olhos de quem a vê.
O (concelho e vila) que eu conheci tem pouco a ver com aquele que descreve. Poderemos entrar em terreno escorregadio, mas por volta de 1970 Marvão era um local praticamente desabitado - sim, havia ruas com praticamente todas as casas desabitadas. Valerá a pena falar na ausência de eleições livres para os representantes das populações, na migração maciça para a zona de Lisboa (porque seria?), nas condições de trabalho, e de habitação, no carácter assistencialista dos cuidados de saúde?
Pode o Sr. estar-se nas tintas para o nome de quem ocupava o poder. De facto, não está a questão no nome. Mas a indiferença, e a neutralidade, neste caso, mata.
Finalmente, relativamente às mordomias, de que o Sr. usufrui, agora, não os "felizardos" daquele tempo, há quem lhes chame "direitos", e foram conquistados com muito sacrifício, por vezes da própria vida, de quem não se estava nas tintas. E são inúteis?!...
Uma coisa eu sou capaz de compreender: esses tempos, evidentemente, serão sempre "saudosos", para si. São as "suas" memórias, as "suas" vivências. Mas não lhes queira, a essas memórias, a essas vivências, colar uma realidade que não existia.

Miguel Teotónio Pereira

José Coelho disse...

É comum, é vulgaríssimo, que alguém, querendo referir-se ao tempo passado, use termos como, por exemplo, "o tempo da outra senhora".
Casualmente e sem qualquer ideia pre-concebida ou segundas intenções, eu escrevi "o tempo(algo saudoso)do António de Santa Comba", em vez daquela conhecida expressão muito mais comum.
Inocentemente sim. Ponto final.
E achei o comentário ácido pela sua ironia que mais parece ser também um subtil mas democrático lápis azul dos tempos modernos.
Eu nasci em Marvão em 1952.
Marvão corre-me nas veias e no ar que respiro. Depois da minha família, tudo o que mais amo na vida é Marvão.
E por isso mesmo me dói tanto ver como Marvão e tudo à sua volta se vai lentamente extinguindo, década após década. Irreversívelmente.
O artigo que escrevi não pretende atingir ninguém em particular, mas tão só criticar, de modo geral o pouco que se tem feito e faz para reverter tal estado de coisas.
Nesse tempo que refiro, não havia "direitos" como diz. É verdade. Mas havia trabalho em abundância por todo o concelho, mormente nos locais que referi no meu primeiro comentário. E essa oferta abundante de trabalho alimentava a economia local e, consequentemente, permitia a sedentarização e permanência das famílias inteiras por cá. Mais. Importava até muitas famílias de outras zonas do país e que para cá vinham residir, por aqui terem também o seu trabalho. Funcionários da CP, da Alfândega, Guardas Fiscais, Despachantes...
Pais, filhos, netos, gerações inteiras aqui nasceram, viveram e morreram. Os meus avós, os meus pais e agora nós, somos o mais perfeito exemplo disso.
Porém e porque as coisas mudaram e ficaram assim tão precárias como hoje as conhecemos, os meus filhos, para não referir outros jovens, mesmo que quisessem, já não poderiam seguir o nosso exemplo porque, pura e simplesmente, deixou de haver essa
possibilidade.
Onde estão hoje, no concelho de Marvão, as hipóteses para fixação dos nossos jovens?
Há, por acaso, alguns projectos por aí que eu desconheço?
Para terminar, só quero, em jeito de curiosidade acrescentar para seu conhecimento que o meu pai, um santo homem, foi certa vez detido pela PIDE da nossa aldeia junto com mais dois ou três trabalhadores como ele porque, na colheita da azeitona, reinvidicaram o aumento de MEIO TOSTÃO por cada quilo que colhessem.
Lições de democracia? Dispenso-as.
Sei, muito mais por experiência de vida do que por formação académica, o que é comer do pão que o diabo amassou.
Ainda assim, reitero que todos nós, marvanenses, apesar de não termos nada do que temos hoje, éramos indubitavelmente muito mais felizes.
E nem naquele tempo eu me calava por medo de Caxias.

José Manuel Lourenço Coelho

Pedro disse...

Enfim, ele realmente há pessoas que se sentem concretizadas por andar a comentar as coisas que outros fazem. Comentários esses que depois nem chegam a ser comentários, mas sim aquela vontade de dizer qualquer coisa só para contrariar, ou então dizer o que sempre quis, mas como não houve coragem, lá vai disto agora que eu é que sei, ehehehh.

Salvador disse...

Sr. José Manuel Lourenço Coelho,

Como eu o compreendo... Ignore os comentários de gente que aó fala por falar e que para não variar um bocadinho diz mal de tudo o que se diz e não diz.

Claro que os tempos passados são saudosos. Eu que ainda vivi muito pouco, comparado com a experiência que o sr. já viveu, e após os meus curtos 30 anos, até eu tenho saudades de tempos passados. Claro que ainda me lembro de ir a Espanha e ter que parar na fronteira para ser alvo das "revistas" da guarda fiscal. Era chato, eu sei, mas pelo menos aquela zona não era o deserto que é agora.

Não deve ser por acaso que muito gente que viveu na altura do 25 de Abril diz que apesar de toda a censura que havia, principalmente em zonas do interior reinava o convivio entre as pessoas...Simplesmente havia muito mais gente para falar, conviver, etc...

Mas quem sou eu para falar, logo eu que até não vivi nessa época.

Cumprimentos,
Salvador Mendes Rodrigues