domingo, 6 de dezembro de 2009

A MULHER E A AMANTE

Apesar de, aparentemente, Portugal ter sido considerado um dos pioneiros na abolição da escravatura, a verdade não é bem essa. Abolimos o inexistente direito de explorar e escravizar os povos que se cruzaram pelos caminhos que o destino ditou aos descobridores lusos, isso sim. As naus deveriam voltar carregadinhas de ouro, mas, lá no fundo, estávamos mais virados para galar fêmeas indígenas, que para cortar as cabeças dos chefes das tribos. E para dar essas galadelas, sempre era melhor fazê-lo sem grandes quezílias e sem dominações sangrentas. E cá por Portugal? Por cá o trabalho de casa continuou por fazer...

Séculos mais tarde, o conceito idealista da liberdade e da igualdade promulgada aos quatro ventos pelos revolucionários Capitães de Abril, viu-se rapidamente abafada pelo “estabilizar da situação” que se seguiu aos anos quentes da década de setenta, quando os civis se sentaram no poder e começaram a saborear, a ostentar e a manipular o democrático direito de governar, oferecido de mão beijada por um Povo inocente e bem intencionado. Aquilo que era para o Povo, começou, desde logo, a ficar retido nas redes do oportunismo e da corrrupção...

No decurso dos mais de vinte anos que já nos separam da adordagem à Europa Única, rectificámos alguns defeitos da nossa mentalidade retrógada, amarrada a mais de quatro décadas daquela ditadura que nos equilibrava financeiramente, ao passo que nos empobrecia e nos coibia o espaço intelectual e filosófico.

Só que o cerne da questão continuou a residir no mesmo ponto: a mentalidade de um povo que sempre careceu dessa sociedade média com um poder económico e cultural capaz de se impor aos caciques oportunistas, pseudo-intelectuais culturetas ou nem por isso, que souberam posicionar-se nas artérias secundárias do poder, gerindo os destinos do país a seu bel-prazer.

É neste contexto que tem origem o modelo de Poder Local pós 25 de Abril. O Governo Central inveja a Europa Ocidental e sonha com igual nível de desenvolvimento. Como, na prática, é completamente impossível solucionar, a partir da capital, todos os pequenos grandes problemas de um país sem as mais básicas infra-estruturas que viabilizem o equilíbrio da nação, endossa-se carradas de dinheiro fresquinho, chegado da Comunidade Europeia via Lisboa, para desfrute das autarquias locais e estas que, como saibam e como possam, façam redes de água, esgotos, electricidade, estradas.... E quando acabam essas obras fazem jardins, pavilhões polidesportivos, centros de lazer, campos de futebol, praças de toiros, piscinas cobertas, descobertas e outras cenas encobertas. A questão é que o money não páre de correr...

Anos mais tarde, o governo apercebe-se do desiquilíbrio que ele próprio fomentou e tenta meter um travãozinho, porque, no fundo, as autarquias do interior cada vez mais deserto estão a duplicar equipamentos de forma absurda e completamente insustentável num futuro não muito longínquo.

Surge o referendo da Regionalização. É a proposta de criação de um poder político intermédio que regule os pequenos reinos dos presidentes de câmara, e possa gerir e arbitrar os investimentos a executar. Só que este projecto chumbou. Nem os autarcas estavam dispostos a abdicar dos seus ceptros, nem os ministros e secretários de estado queriam “postos intermédios” entre os reizinhos e os reizões... Verdade verdadinha é que ninguém pôs, a sério, as mãos no lume pela Regionalização... Os poderes instituídos sobrepuseram-se aos poderes emergentes.

Qual foi o resultado? No nosso Norte Alentejano profundo, aquele que, desde que Guterres deixou o Governo parece estar esquecido por Deus, encontramos autênticos mamarrachos de obras, repetidos em cadeia em municípios vizinhos, espelhos da vaidosice dos narcisistas que as mandaram construir, e que só se executaram porque se refletiam em votos e em mais uns mandatos no reinado. Mas agora, nenhum pequeno rei vai ter coragem de encerrar equipamentos relativamente recentes, ainda que inúteis e insustentáveis, sabendo que tais medidas lhes podem custar a poltrona do poder.

Tal não seria grave se as verbas que se gastam nesses equipamentos supérfulos, não pusessem em causa algo tão essencial como, por exemplo, os regalias a que os trabalhadores moralmente têm direito. Tal não seria grave se as Câmaras Municipais das zonas deprimidas pudessem continuar a desempenhar a sua função social e continuassem a gerar algum emprego, impedindo o contínuo despovoamento, que cada dia que passa mais se agrava.

Em suma, os reizinhos construiram grandes palácios para as amantes, e lá na residência real, as suas raínhas e respectivas aias de toda a vida, aquelas que lhes fazem o almoço e lhes lavam e engomam a roupa, continuam a ser maltratadas e a serem as verdadeiras escravas...

Fado maldito.

3 comentários:

Tiago Pereira disse...

O mais "doido" ensaio sobre as idiossincrasias do nosso processo de (sub)desenvolvimento local...

Mas fiquei com uma dúvida,

Quem és tu nessa parábola, a Aia?

Garraio disse...

Tiago,

Nunca levantes dúvidas, onde tens certezas...

Ai de mim...

;)

Gilberto Gil disse...

Fogo! Assim sim, é que depois das eleições isto ficou muito murcho pá! :)