domingo, 29 de junho de 2008

Primeira Página





Neste Fórum tudo é importante, todos os post e todos os comentários. Porque tudo isso é que é o Fórum Marvão!


Um blog “roda” muito depressa. E este, felizmente, também tem “rodado”!

Por isso, um comentário ao post “Um concelho, duas apostas para o desenvolvimento…” que eu considero fundamental ficou já muito lá para trás. E, assim, muitos não o terão lido.

Não resisto, portanto, a apresentar esse comentário na “Primeira Página”!

Pedindo licença ao Dr. José Boto (autor do mesmo) cá vai…


Deixo aqui algumas opiniões sobre o desenvolvimento económico do concelho e da Região.

A. Concordei durante muitos anos que os 2 eixos fundamentais para o desenvolvimento do concelho seriam o Turismo e a manutenção / desenvolvimento da actividade industrial.

Por esse motivo, há algumas décadas, como gestor e empresário aposto nas 2 vertentes no concelho de Marvão.

Mas devo confessar que já estive mais optimista.

B. Comecemos pela actividade Turística
1. Marvão e os concelhos limítrofes têm potencialidades enormes – a Vila de Marvão, Castelo de Vide e o seu património judaico, Portalegre (com os seus conventos, palacetes, museus), tudo rodeado ou incluído no Parque Natural da Serra de São Mamede, o património megalítico, a cidade Romana de Ammaia, a nossa gastronomia, a proximidade com Espanha que a uma distância relativamente curta de Marvão tem vários locais reconhecidos como Património Mundial,…

Quando falamos em potencialidades Turísticas restringir as mesmas ao concelho de Marvão é limitativo e não conduz a muito.

2. Mas sem dúvida que tem de haver um projecto âncora sem o qual os Turistas são cada vez menos; e é este decréscimo que em minha opinião está a acontecer, de ano para ano, nos últimos anos.

A candidatura de Marvão a Património Mundial constituíu um projecto estruturante para toda a Região (não apenas para o concelho de Marvão).

Marvão teve durante anos uma visibilidade ímpar em termos de todo o Alentejo, fruto da candidatura e não só (por exemplo a passagem da Volta a Portugal em bicicleta por Marvão, pela mão do Dr. Mena Antunes foi também importante (o homem não financiou só acções sem interesse para o desenvolvimento do Concelho).

Mas a queda deste projecto e o facto de nada ter sido feito para o relançar ou para criar outra alternativa com capacidade para captar turistas nacionais e estrangeiros para esta região, aliados a que noutras zonas do Alentejo tal está a acontecer – No Alqueva e no litoral Alentejano, conduzem a que o destino Alentejo seja cada vez mais interessante, mas cada vez esta nossa parte do Alentejo menos potencialidades tenha para captar um elevado número de turistas.

O futuro parece passar pelo Alqueva, Litoral Alentejano e Évora, se para estas bandas nada de importante for feito.

3. Em minha opinião, em termos turísticos a falta de visão dos players da nossa região tem sido desastroso e no espaço de poucos anos só temos assistido a desastres a que as nossas populações e os nossos representantes pouca importância dão; queda da candidatura de Marvão a Património Mundial, fecho do campo de Golfe d’Ammaia, anterior queda do projecto global do Eng.º Melancia (Hotel, Golfe, Aparthotel ligado ao golfe, animação turística, …).

4. Para substituir a candidatura de Marvão a Património Mundial o actual executivo camarário tem apostado em vários pequenos projectos interessantes para a captação de clientes para a restauração local, com alcance que vai até Portalegre e a Valência de Alcântara, mas que não passam daí (pelo menos na minha opinião) e são ineficientes em termos de captação de turistas provenientes dos grandes centros habitacionais nacionais e do estrangeiro, imprescindíveis para viabilizarem as já muitas unidades hoteleiras e restantes infra-estruturas Turísticas no Concelho; os executivos camarários dos Concelhos limítrofes mais não fizeram; do trabalho de todos em equipa, que era onde mais se deveriam empenhar, também nada de estruturante apareceu; a Região de Turismo de São Mamede, por seu turno, perdeu protagonismo e verbas nos últimos anos e a machadada final foi dada com a extinção das Regiões de Turismo e criação de uma grande Região para todo o Alentejo, onde pelos motivos referidos antes a capacidade de afirmação das nossas potencialidades são ainda menores.


C. Vamos agora à vertente industrial

1. O concelho de Marvão e Santo António das Areias em particular, já empregaram algumas centenas de pessoas na área industrial.

Tal ocorreu antes do 25 de Abril de 1974, fruto da capacidade de um grande empresário do Seu tempo que foi o Sr. João Nunes Sequeira.

As regras do jogo após 1974 alteraram-se no entanto completamente.

Até lá haviam 2 normas que dificultavam imenso a actividade industrial e que poucos tiveram capacidade para ultrapassar – a Lei do condicionamento industrial (não era nada fácil constituir uma empresa em Portugal) e as fortes limitações à importação de produtos.

Tal conduzia a que o complicado naquela época era constituir uma empresa; uma vez constituída o fundamental era produzir, porque a colocação no mercado, face à inexistência de concorrência, estava garantida.

2. Após 74, a Lei do condicionamento industrial (uma das principais responsáveis pelo atraso da nossa economia face à Europa) foi extinta e a pouco e pouco as barreiras à importação foram desaparecendo, até que acabaram de vez com os acordos de pré-adesão de Portugal à C.E.E..

Emergiram então largas centenas de novas empresas fabricantes ou importadoras e a concorrência acentuou-se de forma progressiva.

A generalidade das PME’s que vinham de trás não estavam preparadas para esta evolução e faliram. Em Santo António das Areias tal aconteceu à Celtex e a Filhos de João Sequeira, Lda (actual Nunes Sequeira S.A.) resistiu devido à conjunção de vários factores e de várias pessoas (onde destaco o papel do Sr. Artur Serrano Sequeira), que de forma empenhada conseguiram ir procedendo à sucessiva renovação e modernização da empresa.

Ultrapassou-se a fase pós 74, a integração na Comunidade Europeia, a mais recente modernização do comércio alimentar com o aparecimento das grandes superfícies e tudo o que lhe esteve associado e estamos a viver o actual processo de concentração dos grandes operadores (só para referir o processo mais conhecido – o desaparecimento em Janeiro de 2008 do Carrefour em Portugal, comprado pela Modelo-Continente).

A tudo isto a Nunes Sequeira, S.A. foi resistindo e adaptando-se

Mas como é óbvio tal não foi e continua a não ser nada fácil, exigiu e continua a exigir mudanças enormes ao nível da modernização de equipamentos e instalações, processos e organização do trabalho, actuação comercial,…; e inevitavelmente ao nível dos Recursos Humanos.

3. Na actualidade a vida das PME’s que actuam nos sectores tradicionais da economia está muito dificultada; todos o sabemos pelas notícias – não precisamos de estar no negócio para conhecermos a realidade.

Em paralelo, criar novas empresas mesmo com apoios provenientes do QREN, PRODER,… é muito duvidoso.

Mais difícil ainda é manter ou constituir empresas no interior do País quando o consumo está no Litoral. Os custos de distribuição são actualmente elevadíssimos e tal é um dos motivos principais para que mesmo Portalegre muito poucas unidades industriais consiga manter ou cativar, apesar do parque industrial que tem e onde quase tudo o que lá está instalado são empresas de prestações de serviços ou de actividade comercial viradas para o mercado local.

Isto para concluir que não acredito em que haja condições para que o sector industrial nos dias de hoje possa constituir um forte factor de desenvolvimento de Marvão.

4. Tal não invalida que pequenos projectos aproveitando os produtos regionais, bem como oficinas diversas, não tenham futuro.

Penso que têm e que devem ser incentivados e acarinhados pela Câmara; e para tal o ninho de empresas e a pequena zona industrial são importantes e fundamentais.

É de facto inexplicável que executivo após executivo mais não façam do que promessas nestas matérias, tendo-se perdido várias oportunidades de estabelecimento de micro empresas no Concelho, ou então estando algumas instaladas em condições muito deficientes.

5. Em conclusão, fica aqui um balanço pouco estimulador do que em minha opinião ocorreu nos últimos anos em Marvão em termos de actividade económica e do que nos espera nos próximos anos.

O balanço que faço não se restringe ao nosso concelho – infelizmente é extensivo a todo o nosso Distrito, que nos últimos anos tem regredido em termos de actividade económica no seu todo.

Aos empresários compete-lhes assumir os riscos da sua actividade, ser inovadores para os conseguir ultrapassar e criar ou perspectivar as oportunidades que vão surgindo; mas é importante que sintamos visão e estimulo por parte dos dirigentes autárquicos e de outras estruturas regionais; e mais importante ainda seria que estes chamassem os empresários para os ajudarem a definir objectivos e estratégias de desenvolvimento económico, bem como aceitassem fazer parcerias com os mesmos.

Mas infelizmente raramente os dirigentes autárquicos e regionais aceitam sentar--se com os empresários, para discutir ideias de forma clara e aceitando as sugestões.

Normalmente, pela experiência que tenho, somos convidados para os ouvir discursar e explicar os projectos que engendraram, em reuniões onde participa um grupo vasto de ilustres munícipes (mas que de empreendedorismo não têm a mínima ideia), restando-nos a possibilidade de dizer “ámen” ou então cairmos fora do processo por não vermos que as nossas opiniões possam ter alguma receptividade.”

José Boto

27 de Junho de 2008 13:57

3 comentários:

Bonito disse...

Obrigado, Dr. José Boto, pela sua disponibilidade em apresentar aqui uma reflexão tão profunda sobre a situação do nosso concelho.

É um diagnóstico importante porque é feito por alguém que conhece em pormenor a realidade empresarial do concelho, os seus pontos fracos e potencialidades, e se dedica há longos anos, a investir e arriscar nesta terra, criando riqueza e postos de trabalho.

Na sequência dessa reflexão gostaria de sublinhar duas coisas:

1 – A absoluta necessidade de existir um permanente diálogo entre o poder político e o tecido empresarial. Ao primeiro compete, na medida do possível, criar condições para que o segundo subsista e se desenvolva. E isso é absolutamente determinante para o concelho!

2 – O património paisagístico, gastronómico, cultural e histórico do nordeste alentejano (onde Marvão se destaca) poderia ser aproveitado para que os diversos concelhos, em parceria, tornassem esta região num destino turístico de eleição. Mas, a falta de visão estratégica e, sobretudo, a incapacidade em trabalhar em conjunto tem inviabilizado a concretização dessa estratégia.


Grande abraço
Bonito Dias

João, disse...

Foi muito bom ler e analisar este “comentário” do José Boto, que nos mostra toda uma lucidez sobre a situação do concelho. Complementando assim, as ideias trazidas aqui pelo Fernando Bonito e, simultaneamente, tomar-mos conhecimento de que continua a existir alguma “massa crítica” em Marvão.

Infelizmente, em minha opinião, esta continua a ser desaproveitada.

Insistindo-se na importação de “boys”. A maioria das vezes de qualidade duvidosa, sem qualquer competência (por mais que se esforcem em currículos fictícios), que apenas possuem uma vantagem: ainda se lhes não conhecem os defeitos. E por isso, aparecem aos olhos dos marvanenses, como imaculados, mas tempos depois, depressa se conclui, que têm pés de barro. Como se tem verificado pelas experiências anteriores.

Mas o que eu queria era pegar numa das ideias aqui deixadas, pelo José Boto, e que se refere ao “dever existir uma estratégia conjunta de actuação entre Marvão e os seus vizinhos (C. Vide, Portalegre e Valência)”. Que eu concordo integralmente.

Só que, o que a história recente (e passada) nos mostra é, que os dois primeiros (C. Vide e Portalegre), só estão interessados em se aliar connosco para se servirem de nós. Sobretudo das nossas riquezas naturais (e não só), quando toca a investimentos conjuntos, viram-nos as costas, ou passam-nos a perna.

E Marvão lá sai mais uma vez enganado…, os exemplos são muitos.

Por isso é que há muito tempo venho defendendo que Marvão se deveria virar para Leste (Valência), sobretudo para aumentar o seu poder negocial com os outros vizinhos.

Mas a vontade política e disponibilidade mental continuam arredadas.

Entretanto, Marvão, continua a definhar, a apostar no “sebastianismo” e, qualquer dia, nem com Valência poderemos negociar, porque os “nossos vizinhos” já nos substituíram…

Passa por aqui mais vezes Zé, a tua opinião é importante.

jbuga

Luísa Garraio disse...

Quando li o comentário do Dr. Boto ao post do Bonito, achei que estava tudo ali...e de facto penso que depois de um comentário tão rico, pormenorizado e realista nada mais posso acrescentar, a não ser dar os parabéns ao seu autor, aplaudir a sua públicação "em primeira página", o que demonstra que o fórum continua a cumprir os seus objectivos... estes preciosos esclarecimentos que comprovam que a "massa crítica" está por aqui...
Luísa Garraio