sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO (19922 – 2010)

“… escrevo para desassossegar os meus leitores.”



“… Quando ele terminou, as mãos dela já não estavam frias, as suas ardiam, por isso foi que as mãos se deram às mãos e não se estranharam. Passava muito da uma hora da madrugada quando o violoncelista perguntou, Quer que chame um táxi para a levar ao hotel, e a mulher respondeu, Não, ficarei contigo, e ofereceu-lhe a boca. Entraram no quarto, despiram-se e o que estava escrito que aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta cor de violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte poderia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu…”

(in as intermitências da morte)






Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

(in poemas possíveis)


Morreu o Homem, ficou a sua obra…

Tudo começou com a TERRA DO PECADO.
Depois seguiram-se mais de 40 Livros, que lhe valeram em 1998 o único Prémio Nobel da língua portuguesa. Entre outros, aqui deixo a lista de alguns que tive a ventura de ler:

- A JANGADA DE PEDRA
- LEVANTADO DO CHÃO
- MEMORIAL DO COVENTO
- MANUAL DE PINTURA E CALIGRAFIA
- OS POEMAS POSSÍVEIS
- O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS
- HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA
- O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO
- IN NOMINE DEI
- ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
- ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ
- TODOS OS NOMES
- A CAVERNA
- CADERNOS DE LANZAROTE
- O HOMEM DUPLICADO
- AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE
- A VIAGEM DO ELEFANTE
- PEQUENAS MEMÓRIAS
- CAIM
… e outros

Como todos os grandes homens foi adorado por uns, odiado por outros, mas como ele dizia:
“… algum valor hei-de ter”.

4 comentários:

Isabel I disse...

No dia da morte de José Saramago deixo-lhe aqui um obrigada pelo seu enorme talento e sensibilidade. Escritor notável, homem vertical e insubmisso,a sua voz justa vai fazer-nos falta.

Bonito disse...

A sua obra contribuiu para o meu desempenho académico (e profissional) e para o meu desenvolvimento humano…

As estórias dos seus livros não são daquelas que nos prendem… que não conseguirmos deixar até chegar ao fim... No entanto, os pensamentos com que nos deparamos em certas páginas (que é necessário reler e reler…) são de uma profundidade única. E o estilo de escrita (apesar de difícil) é extraordinário.

É o autor que mais li e que mais me marcou!

Por isso, também fiquei sensibilizado com a sua morte.


Bonito Dias

Unknown disse...

Os funerais dos nossos dias envolvendo figuras mediáticas estão a tornar-se autênticas festas, onde políticos, artistas e outros personagens socialmente relevantes se encontram, colocando-se em bicos de pés e fazendo de tudo para debitar umas palavritas para os sedentos microfones dos repórteres. Geralmente quase ninguém tece uma crítica ao defunto. De odiado, censor e irrascível, o morto é imediatamente «canonizado», mesmo num país laico, no que constitui um superlativo elogio fúnebre. Em Portugal os diabos quando morrem parece que ganham asas.

zira disse...

Tenho andado por aí (o termo correcto é mesmo o verbo andar) e não tenho vindo aqui. Hoje uns dias passados dou os parabéns a quem se dignou escreber o blog e aos autores do postes.Porquê?! porque se expressaram da forma que eu faria nos comentários.Também eu fiquei indignada com a cusquice desmedida da comunicação social, a manipular,como o Artur assinalou, com o desempenho que a obra fez para mim ( bem haja Bonito por me ter oferecido no Natal "Caim"),pelo homem íntegro que a Isabel I, referiu e pelo excelente Blog que originou toda esta manifestação. Há muitas obras que não li. Só as mais conotadas de facto.Hoje, uns dias passados os livros estão a vender dez vezes mais.Acredito.Mas não entendo...Não sei se não entendo as pessoas, se aquilo que as faz ser pessoas...A Pilar foi o elo que o ligou ao pessoal mais novo, no Blog que escrevia regularmente e penso que por aí há muita gente desconhecida, silenciosa...que lhe queria.