quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

03 - O QUE NOS RESTA


Leve, leve a lembrança que me resta daquele dia em que, por causa de uns homens que andavam aos tiros lá por Lisboa, não tive de ir à escola.
Foi um dia diferente, pelo inesperado dos acontecimentos, e porque, como não podia ficar sozinho em casa nesse dia de lutas, devido à minha tenra idade, tive que acompanhar a minha mãe para o seu trabalho, na fábrica.

Claro que, teria que me manter quieto e sossegado, para não lhe interromper a labuta, ou chamar a atenção reprovadora do “Mestre Gomes”, que, por ser ali dos lados de Nisa, esticava algumas sílabas no inicio e no fim das palavras que pronunciava.

Várias gerações, antes da minha, tinham lutado por aquele dia que finalmente chegara, e com ele, a esperança.

A esperança num País com liberdade, acima de tudo, mas também com justiça, saúde, educação, habitação, igualdade social e modernização.

Expectativas justas e legitimas, num futuro melhor para esses lutadores populares e seus descendentes, enfim, para o País.

Onde param essas esperanças, essas expectativas, esses sonhos?

Onde param as causas?

Onde pára a vontade daqueles que viveram 74?
Desapareceu ou está adormecida?
Foi arrancada ou está perdida?

Os anos continuam a passar, e quase todos, quase todos os dias nos percorre o sentimento de que caminhamos para coisa nenhuma, que a estrada que palmilhamos não é a nossa, que seguimos sem esperança, sem expectativa ou convicção.
E o pior, parece que não nos importamos.

Deixa andar, talvez amanhã ou no outro dia, apareça novo salvador, e, se também ele for crucificado, resta-nos a esperança de que seremos salvos.
Sentimos que a vida que vivemos não deveria ser a nossa.

O esforço que se faz, para não parecer esforçada a tarefa de ter que educar os filhos.
Os pais e avós a viver em casa dos filhos, muitas vezes devido à força dos laços familiares, é certo, mas quantas vezes não é por não haver dinheiro para pagar os lares ou casas de repouso, ou quantas vezes não é para os filhos poderem contar com as raquíticas pensões dos mais idosos.
As prestações acumulam-se.

O desemprego está à espreita, à espera de apanhar o próximo que passe.
As empresas, umas encerram por tudo, outras por nada.

A frustração vai engolindo geração após geração.
A indignação apodera-se de nós, pela oportunidade perdida.

Ai, Ai que me fogem os sonhos, o futuro e a confiança.

O que somos nós neste laboratório português, em que se experimenta, faz e refaz, destrói e conserta há mais de 30 anos?

A consciência colectiva na melhoria é quase nula.

Ao menos temos o “Magalhães”, mas do que nos serve um ignorante com um computador nas mãos?

O que nos resta?
Talvez a esperança de quem acredita em Portugal, de quem acredita que somos nós, diariamente, os responsáveis pela mudança e pelo sacrifício na preparação do nosso futuro.
Exigindo dignidade e responsabilidade no exercício das funções públicas e privadas.

Todos temos responsabilidades na construção do País, mesmo que desalentados e convictos que entre nós há muitos que não querem saber, que não querem acreditar.
Acredita ou resigna-te.

Ai revolução o que te fizeram, o que te fizemos.

O povo unido já estará arrependido?


Mário Bugalhão

8 comentários:

João, disse...

“Bertold Brecht (1898-1956)”

Primeiro levaram os negros…
Mas não me importei com isso
Eu não era negro!

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário!

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram os desempregados
Mas como tenho o meu emprego
Também não me importei

Agora estão-me levando a mim
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo…



“UM PORTUGUÊS EM 2009”

Sócrates no dia da posse atacou os farmacêuticos…
Eu não disse nada, porque não sou farmacêutico!

A seguir foram os magistrados
Também nada disse, eu não tinha dois meses de férias!

Depois foram os médicos e os enfermeiros
Até me pareceu que andavam mesmo a pedi-las
A seguir congelou as carreiras dos funcionários públicos
Quis lá saber, eu nem sou manga-de-alpaca!

Seguiu maltratando os militares, os polícias, os professores…, até os padres não escaparam!

Aumentou os impostos, aumentou a idade de reforma, muda de regras do jogo a meio do jogo, aumenta a insegurança!

Ah mas criou “as novas oportunidades”, criou o “Magalhães, a lei do divórcio, do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os “canudos” sem por os pés nas escolas…

A MIM NADA ME AFECTOU!

Hoje bateu-me à porta, com a lei da mobilidade, e atirou-me para o desemprego, a juntar ao outro “meio milhão” que já por lá andava!

Já gritei e ninguém me ouve…, até parece que a coisa só me afecta a MIM!

(Adaptado)

jbuga

Goyi disse...

Acabao de conocer este Foro, le he echado un vistazo y me gusta . Si no os importa entraré , de vez en cuando, a dar un poquito la lata. Intentaré escribir en portugues o portunhol, aunque, otra cosa en la que nos dais papas con ondas ,Garraio, cuelquiera de vosotros entiende y habla español, mientras nosotros, a un pasito , no entendemos absolutamente nada.... con excepciones, claro.

Ah!, por cierto, en el Colegio de adultos, los lunes tenemos a las cinco conversaciones de português, el jueves de ingles con nativos y el miercoles de español (para ellos)... si queréis venir alguno, estaríamos encantados pues nativos de português van muy poquitos.

El próximo post será en mi clasico portuñol.... prometo!.

Goyi disse...

Me ha encantado como ha descrito el amigo Bugalhao la situación politica de vuestro/nuestro país!!!... genial!

João, disse...

Minha cara Goyi, é com muito prazer que vejo que nos descobris-te, nós que pensamos que somos um país de “descobridores”. Tenho acompanhado toda a tua participação, quer na “casita” do Pedro, quer no vosso Blog de Valência, que aliás, nos serviu de inspiração para dinamizarmos este nosso Fórum Marvão.

Já te havia mandado uns “bitaites”, como dizem os “gajos do Porto”, ou uns “iscos”, como diria o nosso amigo Garraio, para ver se tu por aqui aparecias, mas até aqui, as iniciativas tinham sido infrutíferas. Pelo que, como deves estar a perceber, é com muito gosto que te recebemos aqui no Fórum, pois acredito, se quiseres, conhecendo-te, tornarás muito mais atractivo este espaço de debate de ideias, livre e democrático, que com frequência tem abordado temas comuns aos nossos dois povos. Por isso, ter alguém desse lado que nos traga a sua visão, é sem sombra de dúvida, muito importante para nós.

Sendo assim, sê bem vinda e dispõe, a tua participação será importante.

Aliás, com muito prazer te teríamos para além de “comentarista”, também como Colaboradora do Fórum Marvão. Se estiveres interessada, basta que me mandes o teu e-mail, para: jbuga@sapo.pt, que eu te mandarei um Convite, e ficarás habilitada a ser “una de nosotros, vale…” e participarás com assuntos e temas por ti escolhidos.

Quanto ao teu portunhol…, não te preocupes, que todos nós te percebemos!

Beijinho para ti.

jbuga

Goyi disse...

Encantada de colaborar con vosotros, será un placer.

Passei un bocado muito bom e entretido a lêr os vossos comentários. ... tenho-vos en alta estima e o meu único problema sería nao estar a vossa altura em conhecimentos políticos.
Eu farei o que puder!!!, e tentarei conseguir mais alguêm, que entre a dar um vissao diferente das coisas, desde este lado da raia.

Estou agora a ler um livro: PORTUGAL EN EL CORAZÓN , escrito por um senhor de San Vicente de Alcántara, e quanto mais avanço na historia, mais convencida fico de que nao nòs fizeram favor nenhum aqueles vossos antepasados, que se empenharam em fazer de Portugal, um país aparte do nosso.

Conheço perfeitemente esse o vosso patriotismo, esse o vosso orgulho de ser português, e provabelmente, de termos conseguido os ganhar em Aljubarrota, vocês seríam a Comunidade mais parecida ao Pais Vasco.... mais eu continuo a pensar que nao deveríamos estar separados!!!....... mais en fin , terá de ser!!!

Quanto a crise, tenho um vizinho aquí en Valência que sempre me diz: "toda a minha vida estive a em crise, è uma vantajem... sofriremos menos do que os outros"

Na realidade, o problema principal da nossa Comarca, será nas fábricas de cortiça, jà estao a enviar pessoal ao desemprego e parece que o pior ainda estará por chegar. O maior número delas se encontra em San vicente, mais lá a miuto pessoal de Valencia a trabalhar e sao o motor principal da nossa economía.... ainda por cima agora comenzam a ussar-se rolhas sintéticas nas garrafas de vinho, parece que sao mais baratas..... penso que alguma coisa haberemos de ir inventando, para sustituir as empresas, pouco a pouco.

Beijinhos crispados , cheios de preocupaçao pela situaçcao vossa e nossa, para vocês.

Eu sim me importo, embora nao seja desempregada, nem farmaceutica, nem policia , nem profesora..... Mas o comentario é fiel reflexo do que realmente se passa , cá e lá.

Bonito disse...

Alterando um apenas "pormenor" num parágrafo do Mário, eu diria:

"Todos temos responsabilidades na construção do CONCELHO, mesmo que desalentados e convictos que entre nós há muitos que não querem saber, que não querem acreditar.
Acredita ou resigna-te."

Grande Abraço
Bonito Dias

Bonito disse...

Errata:

onde se lê "um apenas" deve ler-se "apenas um"

Unknown disse...

«Deixa andar, talvez amanhã ou no outro dia, apareça novo salvador, e, se também ele for crucificado, resta-nos a esperança de que seremos salvos.»

Calma, o Obama já tomou posse.