In Público
Hotelaria e pólo universitário vão dar nova vida a estação ferroviária alentejana
23.01.2013
Cinco meses depois de o último comboio ter passado pela estação fronteiriça de Beirã (Marvão, Alentejo), já há obras em curso para dar nova vida ao complexo ferroviário, evitando a sua degradação.
No espaço em que funcionou o antigo restaurante da estação ferroviária vai nascer uma "guest house" com sete quartos e dois apartamentos. Mesmo ao lado, no edifício de passageiros, deverá ser instalado um pólo da Universidade de Évora vocacionado para apoiar o desenvolvimento de trabalhos de campo na área da arqueologia.
O estabelecimento hoteleiro será uma espécie de turismo rural "low cost", concebido para captar um público mais jovem, explica Eduardo Salvador, um designer gráfico que, com a mulher e dois filhos, resolveu trocar Lisboa pela aldeia da Beirã, a poucos quilómetros da fronteira luso-espanhola.
O empresário diz que espera atrair clientes através das belezas naturais da região, da proximidade da vila fortificada de Marvão, de programas de turismo de aventura e de actividades culturais em meio rural.
Um acordo com a autarquia local, que por sua vez tem um protocolo com a Refer (empresa pública responsável pelas infra-estruturas ferroviárias), permite-lhe explorar aquela parte da estação de caminhos-de-ferro durante 25 anos, criando, para já, dois postos de trabalho directos e três indirectos.
Apesar de serem poucos, estes postos de trabalho têm algum impacto numa pequena aldeia, com uma população envelhecida, que tem perdido serviços como a estação de correios e foi vendo passarem cada vez menos comboios, o último dos quais no Verão passado.
Por se tratar de uma estação fronteiriça, Beirã era um pólo ferroviário importante, no qual trabalhavam e viviam dezenas de funcionários da CP, mas também guardas fiscais, funcionários de alfândega, despachantes oficiais e até a própria PIDE (polícia política do Estado Novo) ali tinha uma delegação. Oficinas de manutenção dos comboios asseguravam também emprego a alguns operários da CP.
O complexo ferroviário ali existente possuía alojamentos para as várias categorias profissionais, mas muitas famílias de trabalhadores da CP viviam na aldeia, que foi crescendo em torno da estação.
No edifício principal vai agora funcionar um pólo de arqueologia da Universidade de Évora. No rés-de-chão serão montados laboratórios e sala de aulas e no primeiro andar, onde vivia o chefe da estação, haverá alojamentos para alunos e professores.
Isto porque esta unidade servirá de apoio a trabalhos de campo, que vão decorrer sobretudo aos fins-de-semana e nas férias da Páscoa e de Verão. Jorge Oliveira, coordenador do Departamento de Arqueologia da Universidade de Évora, diz que Beirã é a freguesia do concelho de Marvão com mais vestígios arqueológicos porque ali passa o rio Sever, em cujas margens se podem encontrar vestígios de ocupação humana desde a Pré-História.
O projecto universitário prevê que ali decorram as aulas práticas de doutoramentos e mestrados em Arqueologia, estando previstas parcerias com universidades espanholas, tendo em conta até a proximidade com o país vizinho.
A estação da Beirã foi inaugurada em 1880, altura em que foi construído o ramal de Cáceres. Este ramal constituía um atalho na ligação a Madrid em relação à linha do Leste (via Elvas). Desde Torre das Vargens (no concelho de Ponte de Sôr), a linha serpenteia ao largo de Castelo de Vide e Marvão para atingir Valência de Alcântara, já em Espanha, e a capital provincial de Cáceres.
Por ali circulou o Lusitânia Expresso que assegurava a ligação nocturna entre Madrid e Lisboa, bem como uma ligação diurna que durou praticamente todo o século XX. O último comboio regional partiu da Beirã em 31 de Janeiro de 2011, ficando apenas o Lusitânia, que passou pela última vez em Beirã em Agosto do ano passado (presentemente circula pela Beira Alta).
Paulo Fonseca, presidente do Grupo de Amigos da Ferrovia Norte Alentejana (GAFNA), diz que a utilização da estação da Beirã para outros fins é positiva porque dá vida a um património que, de outra forma, ficaria ao abandono. Mas alerta que deve ficar salvaguardado o canal ferroviário para que, eventualmente, um dia o serviço de comboios possa voltar a ser assegurado.
O dirigente associativo defende que a Refer deve fazer uma manutenção mínima na via férrea e contesta a hipótese de esta se vir a transformar numa ecopista, como acontece com outras linhas abandonadas.
"Agora estamos em crise, mas num ciclo económico favorável não é de excluir que o ramal de Cáceres possa ser utilizado para fins turísticos", disse ao PÚBLICO. Por outro lado fez notar que, apesar de a linha ter fechado do lado português, a Renfe inaugurou do outro lado da fronteira um comboio diário entre Valência de Alcântara e Madrid.
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