Nesta edição da rubrica em foco o Diário do Sul (DS) foi até interior profundo do Norte Alentejano ao encontro do presidente da Câmara Municipal de Marvão. O social-democrata Vítor Frutuoso tem 53 anos, é engenheiro técnico civil e foi eleito em 2009 pela segunda vez consecutiva. Em tom calmo e perseverante disse estar apostado em reabilitar o resort turístico de golf abandonado há anos e em retomar a candidatura de Marvão a património da humanidade. A mais de 800 metros de altitude, sobre a paisagem que deslumbra quem visita o castelo, garantiu que a sua luta por Marvão é suprema.
Diário do Sul (DS) - Em que estado se encontrava Marvão quando chegou à presidência da Câmara em 2005?
Vítor Frutuoso (VF) - Havia uma orientação estratégica quase exclusivamente virada para candidatura de Marvão a património da humanidade e, sobretudo, todas as energias do concelho estavam viradas para as questões do património. Apostava-se muito, não na candidatura, mas na certeza de que Marvão viria mesmo a ser património da humanidade.
DS - Mas isso não era positivo para o concelho?
VF- Conseguirmos essa classificação é, no meu entender, muito positivo para Marvão. É uma luta muito positiva que pode vir a favorecer muito o concelho e toda a região. Mas na altura em que me candidatei e depois assumi a presidência, tinha a ideia de que não devíamos dirigir todas as energias só para uma coisa porque, se falhasse, não tínhamos alternativas. Efectivamente, foi o que aconteceu. Falhou.
DS - Mas porque é que falhou?
VF - O primeiro sinal foi dado numa entrevista que o embaixador da Unesco, Ramalho Urtigão, concedeu à Rádio Renascença. Nessa entrevista, considerou Marvão como uma jóia do património mas, ao mesmo tempo, afirmou que devíamos baixar as expectativas porque a Europa - especialmente a Europa do Sul - já tinha sido muito beneficiada com localizações classificadas como património mundial e que a orientação da Unesco estaria ‘virada’ para o hemisfério sul. Mais tarde chegou-nos a informação final de que Marvão não reunia todos os requisitos necessários para ser classificado.
DS - Mas não havia, nessa altura, um outro projecto alternativo para o desenvolvimento do concelho?
VF - Quando eu cheguei à Câmara praticamente só existiam dois projectos estruturantes e ambos virados para o turismo. Um deles era a tentativa de classificação pela Unesco e outro muito conhecido que era o campo de golfe. Primeiro acontece o desaire do património mundial e, logo de seguida, o desaire do projecto do golfe, que entra em insolvência. Na altura houve quem me fizesse propostas para a Câmara assumir o projecto, mas, se eu tivesse avançado com uma coisa dessas, hoje, era bem possível que não existisse nem golfe, nem a própria Câmara. Assim existe a Câmara e o golfe ainda tem uma esperança. (risos)
DS - Dois desaires seguidos foram um golpe duro para o concelho...
VF - Sim. E se os dois projectos deram bastante visibilidade positiva a Marvão, essa visibilidade resultou, por outro lado, em especulação. E quando há um aumento de preços acima da realidade, isso resulta em estagnação do mercado (imobiliário) porque não se compra, nem se vende. Quem coloca à venda tem imensas expectativas e quer ganhar muito dinheiro, e quem está comprador duvida e espera para ver se os projectos avançam ou não. Tudo isto resulta em estagnação.
DS - Quando foi eleito, Marvão era um concelho imobilizado?
VF - Completamente. Do meu ponto de vista, era um concelho parado e em expectativa, à espera, talvez, de um D. Sebastião...
DS - Mas nem sempre foi assim...
VF- Não. Este concelho já foi um dos mais ricos do Alentejo e dou-lhe um exemplo. A freguesia de Santo António das Areias – que é uma aldeia – era, nos anos ’60, uma das maiores zonas de industria e criação de emprego do Alentejo, ao lado de Campo Maior e Portalegre.
Era uma zona de fronteira que gerava muito emprego por via do serviço de controlo aduaneiro rodoviário e por via dos serviços ferroviários da linha internacional. Por outro lado, se nessa altura se praticava ali uma agricultura de subsistência, em determinado momento deu-se o ‘fenómeno’ da industrialização dos lacticínios com a criação da empresa Serraleite. Era uma zona rica.
DS - Quando é que deixou de o ser?
VF - Quando entrámos para a União Europeia acabaram os empregos ligados à alfândega e surgiu toda a concorrência nos produtos agrícolas que decorreu da globalização dos mercados, primeiro a nível europeu e, mais recentemente, a nível mundial. Por exemplo, hoje podem-se comprar castanhas na China... A partir daí, esta região começou a perder população e não encontrou uma alternativa para a criação de riqueza.
DS - Qual é a situação hoje?
VF - Muitos dos habitantes são pessoas com alguma idade, algumas são pessoas desempregadas. Temos algum emprego no Estado, sector em que a Câmara surge como o maior empregador. Do meu ponto de vista somos um concelho a viver basicamente do orçamento geral do Estado. E quando há uma crise como a que estamos viver agora, vamos sofrer de certeza algum impacto.
DS - E como é que se consegue inverter a situação, ainda para mais, em plena crise?
VF - Eu penso que uma pessoa que está à frente de um Município como Marvão não pode pensar em respostas clássicas, mas sim em alternativas. Para já, temos que fazer com que as pessoas não saiam daqui, implementando para isso uma política de habitação social de custos controlados e, ao mesmo tempo, uma política de criação empregos.
DS - Mas como é que se criam empregos em Marvão?
VF - Não é de certeza com a instalação de grandes empresas porque temos grandes condicionantes como o facto de todo o concelho estar inserido no Parque Natural da Serra de São Mamede (PNSSM). A sua maior parte está em plena Reserva Ecológica Nacional e toda a parte sul – onde existem os melhores solos - faz parte da Reserva Agrícola Nacional.
À nossa dimensão temos que criar alternativas para as famílias que têm expectativas em relação a um filho que, por acaso não consegue ou não quer ser doutor – também já lá vai o tempo que havia empregos certos para doutores e engenheiros – e vai fazer formação para ser carpinteiro ou canalizador. Por isso, no mandato anterior avançámos com o projecto de criação do Ninho de Empresas que se está a desenvolver na localidade de Santo António das Areias e cujo processo estará finalizado a meio do próximo ano.
DS - Mas com a especulação imobiliária e as restrições que refere, há terrenos suficientes para loteamentos e zonas empresariais?
VF - Quando assumi a presidência, a Câmara não dispunha de um único terreno e adquiri-los não foi fácil, muito por causa da especulação que referi atrás. Não foi fácil convencer alguns proprietários de que, ao venderem ao Município, era bom para eles e para o concelho ao mesmo tempo. Mas ainda assim conseguimos comprar terrenos nas freguesias da Beirã, Santo António das Areias e São Salvador da Aramanha. Neste momento temos aprovada uma candidatura ao programa Prohabita para a construção de 40 habitações que, apesar de ter tido alguns reveses, é agora um processo irreversível.
DS - Mesmo sem a classificação da Unesco, qual é a estratégia do Município para o sector do turismo?
VF - Marvão é, por si só, um destino turístico de muita qualidade. Eu posso parecer ‘suspeito’ ao dizer isto mas não sou só eu que o digo. São as pessoas dos mais variados sectores e interesses que nos visitam e são especialistas em turismo. Há quem compare a nossa região a zonas distintas da Europa que tiveram grandes futuros e eu tenho muita esperança nisso.
Agora, para sermos realmente uma zona turística temos que ter equipamentos que não podem resumir-se a turismo rural e de aldeia. Essas pequenas unidades são muito importantes mas Marvão necessita de uma unidade hoteleira feita de raiz com capacidade para receber grupos de 20 ou 30 pessoas ao mesmo tempo. E a localização mais lógica será junto ao golfe.
DS - Mas para isso é necessário reactivar o golfe. Qual é a situação do projecto?
VF - Quando se criou o golfe, o hotel já fazia parte do projecto, a par do aldeamento, só que, como é sobejamente conhecido, o promotor inicial teve problemas financeiros e o projecto está parado há estes anos todos. Entretanto, o PNSSM converteu a zona do aldeamento e o local para onde se previa o hotel, numa zona protegida, através de um plano de ordenamento... Isto numa altura em que havia um investidor interessado, credível e com capital, mas que acabou por desistir, dizendo que não ia investir sem poder construir o hotel. Isto foi um problema que o meu antecessor deixou passar porque não leu a acta de concertação que condicionava a zona.
Neste momento, porque consideramos haver erros no plano de ordenamento, pedimos a sua revisão, mas para agravar a situação toda aquela zona foi integrada na Reserva Ecológica Nacional... Esperamos, ultrapassar estas questões, até porque temos um outro investidor espanhol interessado que, para já, se dispõe a montar a empresa de exploração do golfe e a socorrer-se das unidades de turismo rural para colmatar a falta do hotel. Para isso é necessário que o Turismo de Portugal, que é o actual proprietário do campo, agilize o processo de venda que, na minha opinião, não deve ser através de hasta pública, mas sim a preços de mercado. De lá dizem-me que para isso é necessário fazer uma avaliação primeiro... Bem, temendo que essa avaliação seja demasiado morosa ou que resulte em valores muito acima do mercado – lembro que o Turismo de Portugal comprou o golfe por 550 mil euros – a Câmara está estudar a hipótese legal de o comprar directamente para acelerar o processo e vender ao investidor espanhol, antes que desista também.
DS – Igualmente importantes para o turismo, para além do alojamento, são as acessibilidades, as infra-estruturas públicas, bem como, o ordenamento. Como é que está Marvão nesta área?
VF - Neste momento o abastecimento e tratamento de águas estão sob a alçada das Águas do Norte Alentejano (ANA), mas existem duas ou três situações pontuais onde a Câmara vai intervir como, por exemplo na localidade de Vale de Rodão. É uma zona idílica, muito bonita, composta por uma série de quintinhas que se sucedem umas às outras onde, com estas alterações climáticas, começa a haver alguma escassez de água. E estamos também a estender condutas de abastecimento a outros pontos isolados onde sabemos que a ANA não vai intervir. Quanto ao saneamento também vamos intervir em situações às quais sabemos que a ANA não vai responder.
Na área das acessibilidades internas, julgo estarmos bem e penso que devemos ter uma densidade superior à maioria dos concelhos. Contudo, houve que fazer alguns melhoramentos e temos algumas obras candidatadas, como por exemplo, a estrada de acesso ao golfe... sim porque eu acredito no golfe!
DS - Para si o golfe é mesmo um projecto estruturante para Marvão... É uma luta?
VF - Eu penso que um presidente da Câmara deve estar no lugar só para fazer aquelas obrazinhas como as rotundas, etc., que toda a gente espera de um presidente de Câmara faça. Não. Eu penso que um presidente deve, sobretudo, fazer com que os projectos e as obras dos outros funcionem. Quem cria a riqueza não é a Câmara, quem cria a riqueza é o povo e são os empresários. A Câmara tem que ser o facilitador, tem que se mexer e lutar. A minha luta suprema é Marvão.