(Em homenagem a todos os meus companheiros dessa jornada)
CAPÍTULO I
Recordo-me hoje, com algum detalhe, passados 36 anos, do dia 22 de Janeiro de 1974.
Portugal, nesse período, era governado pelo Estado Novo, que se caracterizava por ser um regime autoritário, conservador, nacionalista, corporativista de inspiração fascista, anti-parlamentarista, anti-comunista, e colonialista. O regime tinha a sua própria estrutura de Estado e um aparelho repressivo (PIDE, colónias penais para presos políticos, etc.), característico dos chamados Estados policiais, apoiando-se na censura, na propaganda, nas organizações paramilitares (Legião Portuguesa), nas organizações juvenis (Mocidade Portuguesa), no culto do "Chefe" autoritário. Encontrava-se ainda envolvido na Guerra Colonial desde 1961, contra os Movimentos de Libertação das Colónias Africanas, para onde enviava a combater os seus jovens na flor da idade, para matarem e muitos morrerem.
A nível laboral, o país era dominado pelas Corporações, que tinham o seu próprio Ministério no Governo. As relações entre os trabalhadores e patrões eram, basicamente, reguladas pelo poder patronal individual, com uma fraca contratação colectiva.
O movimento sindical, era dominado por essas mesmas Corporações, que aí se faziam representar por trabalhadores por si indicados, existindo no entanto, por essa data, algumas excepções em sindicatos, onde os trabalhadores conseguiam colocar os seus representantes, como era o caso dos Metalúrgicos. A palavra “greve” era vocábulo proibido, e amargava na boca daqueles que a pronunciavam, pois a promessa de 6 meses de “férias” em caxias ou no aljube, era quase sinónimo garantido.
O desemprego não existia desde meados dos anos sessenta, estávamos em plena “era dourada”, da revolução industrial portuguesa. Novos e velhos (que nessa época eram poucos), homens e mulheres, todos os dias arranjavam trabalho, e mudavam de patrão, perante aquele que lhe oferecesse melhores condições e melhores recompensas.
No entanto, desde 1972, após a primeira “crise do petróleo”, que as dificuldades começaram a aumentar, e no inicio do ano de 1974, só com um poder reivindicativo forte, ou com um “patrão bom”, se conseguia que o patronato, lá fosse abrindo um pouco os cordões à bolsa para fazer face a carestia de vida.
Por essa época, eu era um moço de 16 anos, isto é, um adolescente, como hoje são designados os jovens dessa idade. No entanto, já carregava comigo, cinco anos de trabalho assalariado. Primeiro, entre 1969 e 1971 na próspera empresa de então, A Celtex, em Santo António das Areias; a partir de Julho de 1971, como Aprendiz de Serralheiro Civil, numa empresa de metalomecânica, no concelho de Sintra (para onde tinha “emigrado” para poder estudar), de seu nome: Cacém Industrial Metalúrgico.
Era usual nessa empresa, que todos os anos em Maio, o "patrão Neves", procedesse a alguns aumentos de ordenados, consoante o nosso comportamento individual ao longo do ano. No meu caso foi assim que em 1972, passei de 30 para 35 escudos diários (6 dias por semana, num total de 48 horas semanais), e no ano seguinte, tinha prosperado para a quantia de 43 escudos por jornada diária de 8 horas.
Mas o ano de 1973, não havia sido fácil para os portugueses. A inflação tinha disparado como há muito não acontecia, e começou a sussurrar-se, em pequenos grupos, que o melhor seria que "o Neves", fizesse a tradicional actualização salarial, logo do mês de Janeiro, para ver se a malta conseguia aguentar-se, e ter possibilidade de ter mais “algum” daquele com que se compravam e compram os “melões”, bem como outros bens essenciais, que por essa altura, eram pouco mais que o pão, o leite e o vinho.
Só que, contactado o sr. engenheiro, pelos mais velhos da casa (quais comissões de trabalhadores, que ainda estavam para nascer), este mandou dizer, nada bem disposto com a ideia, que nem pensar. Nem em Janeiro, e o mais que provável, era que nem em Maio, porque a vida estava difícil para todos, e, os patrões também não andavam, propriamente, a nadar em dinheiro.
Este recado de negação absoluta, não caiu nada bem no peito daqueles cerca de duzentos homens e rapazes, oxidados por fora e por dentro, à reivindicação que, na nossa perspectiva, nos parecia mais que justa, e, sem se saber muito bem como, a palavra interditada GREVE, começou a circular de boca em boca.
Não sei ainda, até aos dias de hoje, a génese de tal devaneio. Havia quem dissesse, que a iniciativa havia surgido do nada, como tantas vezes acontece, um homem lembrar-se no seu âmago de uma sensação de injustiça, de uma paixão de causas nobres, de um sentimento reprimido, e zás, num ápice, sem que mal se dê conta, aí está a transgressão inconcebível. Mas, sempre houve aqueles que afiançavam, que por detrás de tal génese, estava o planeamento das tais “lebres”, que nos fala o saramago, em levantado do chão.
O facto é que, pelas 10 horas do dia 22 de Janeiro, quatro meses antes do futuro Dia da Liberdade, os proletários da CIM, fizeram ali um silêncio sepulcral, naquele arraial de “malhar ferro”, e, mandaram dizer ao patrão Neves, que a partir daquela hora, estavam em greve, até que ele decidisse proceder à justa actualização salarial.
Eu era um deles e também aderi…
TA: A estas e outras histórias, poderão aceder em http://retoricabugalhonica.blogspot.com/, onde pretendo continuar um espaço mais intimista, deixando este, para intervenções mais do âmbito da vida colectiva dos marvanenses.
CAPÍTULO I
Recordo-me hoje, com algum detalhe, passados 36 anos, do dia 22 de Janeiro de 1974.
Portugal, nesse período, era governado pelo Estado Novo, que se caracterizava por ser um regime autoritário, conservador, nacionalista, corporativista de inspiração fascista, anti-parlamentarista, anti-comunista, e colonialista. O regime tinha a sua própria estrutura de Estado e um aparelho repressivo (PIDE, colónias penais para presos políticos, etc.), característico dos chamados Estados policiais, apoiando-se na censura, na propaganda, nas organizações paramilitares (Legião Portuguesa), nas organizações juvenis (Mocidade Portuguesa), no culto do "Chefe" autoritário. Encontrava-se ainda envolvido na Guerra Colonial desde 1961, contra os Movimentos de Libertação das Colónias Africanas, para onde enviava a combater os seus jovens na flor da idade, para matarem e muitos morrerem.
A nível laboral, o país era dominado pelas Corporações, que tinham o seu próprio Ministério no Governo. As relações entre os trabalhadores e patrões eram, basicamente, reguladas pelo poder patronal individual, com uma fraca contratação colectiva.
O movimento sindical, era dominado por essas mesmas Corporações, que aí se faziam representar por trabalhadores por si indicados, existindo no entanto, por essa data, algumas excepções em sindicatos, onde os trabalhadores conseguiam colocar os seus representantes, como era o caso dos Metalúrgicos. A palavra “greve” era vocábulo proibido, e amargava na boca daqueles que a pronunciavam, pois a promessa de 6 meses de “férias” em caxias ou no aljube, era quase sinónimo garantido.
O desemprego não existia desde meados dos anos sessenta, estávamos em plena “era dourada”, da revolução industrial portuguesa. Novos e velhos (que nessa época eram poucos), homens e mulheres, todos os dias arranjavam trabalho, e mudavam de patrão, perante aquele que lhe oferecesse melhores condições e melhores recompensas.
No entanto, desde 1972, após a primeira “crise do petróleo”, que as dificuldades começaram a aumentar, e no inicio do ano de 1974, só com um poder reivindicativo forte, ou com um “patrão bom”, se conseguia que o patronato, lá fosse abrindo um pouco os cordões à bolsa para fazer face a carestia de vida.
Por essa época, eu era um moço de 16 anos, isto é, um adolescente, como hoje são designados os jovens dessa idade. No entanto, já carregava comigo, cinco anos de trabalho assalariado. Primeiro, entre 1969 e 1971 na próspera empresa de então, A Celtex, em Santo António das Areias; a partir de Julho de 1971, como Aprendiz de Serralheiro Civil, numa empresa de metalomecânica, no concelho de Sintra (para onde tinha “emigrado” para poder estudar), de seu nome: Cacém Industrial Metalúrgico.
Era usual nessa empresa, que todos os anos em Maio, o "patrão Neves", procedesse a alguns aumentos de ordenados, consoante o nosso comportamento individual ao longo do ano. No meu caso foi assim que em 1972, passei de 30 para 35 escudos diários (6 dias por semana, num total de 48 horas semanais), e no ano seguinte, tinha prosperado para a quantia de 43 escudos por jornada diária de 8 horas.
Mas o ano de 1973, não havia sido fácil para os portugueses. A inflação tinha disparado como há muito não acontecia, e começou a sussurrar-se, em pequenos grupos, que o melhor seria que "o Neves", fizesse a tradicional actualização salarial, logo do mês de Janeiro, para ver se a malta conseguia aguentar-se, e ter possibilidade de ter mais “algum” daquele com que se compravam e compram os “melões”, bem como outros bens essenciais, que por essa altura, eram pouco mais que o pão, o leite e o vinho.
Só que, contactado o sr. engenheiro, pelos mais velhos da casa (quais comissões de trabalhadores, que ainda estavam para nascer), este mandou dizer, nada bem disposto com a ideia, que nem pensar. Nem em Janeiro, e o mais que provável, era que nem em Maio, porque a vida estava difícil para todos, e, os patrões também não andavam, propriamente, a nadar em dinheiro.
Este recado de negação absoluta, não caiu nada bem no peito daqueles cerca de duzentos homens e rapazes, oxidados por fora e por dentro, à reivindicação que, na nossa perspectiva, nos parecia mais que justa, e, sem se saber muito bem como, a palavra interditada GREVE, começou a circular de boca em boca.
Não sei ainda, até aos dias de hoje, a génese de tal devaneio. Havia quem dissesse, que a iniciativa havia surgido do nada, como tantas vezes acontece, um homem lembrar-se no seu âmago de uma sensação de injustiça, de uma paixão de causas nobres, de um sentimento reprimido, e zás, num ápice, sem que mal se dê conta, aí está a transgressão inconcebível. Mas, sempre houve aqueles que afiançavam, que por detrás de tal génese, estava o planeamento das tais “lebres”, que nos fala o saramago, em levantado do chão.
O facto é que, pelas 10 horas do dia 22 de Janeiro, quatro meses antes do futuro Dia da Liberdade, os proletários da CIM, fizeram ali um silêncio sepulcral, naquele arraial de “malhar ferro”, e, mandaram dizer ao patrão Neves, que a partir daquela hora, estavam em greve, até que ele decidisse proceder à justa actualização salarial.
Eu era um deles e também aderi…
TA: A estas e outras histórias, poderão aceder em http://retoricabugalhonica.blogspot.com/, onde pretendo continuar um espaço mais intimista, deixando este, para intervenções mais do âmbito da vida colectiva dos marvanenses.
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