quarta-feira, 22 de abril de 2009

COMEMORAR ABRIL!

Mudam-se os tempos…, mas será que se mudam as vontades?

Em 1973 Portugal atravessava uma grave crise provocada pela “crise do petróleo” de 1972. Pela primeira vez, nos últimos dez anos, empresas começavam a fechar e os despedimentos colectivos sucediam-se.

A guerra em Africa continuava a mobilizar todos os jovens aos 20 anos, onde tinham de cumprir missões de 2 e 3 anos, e onde muitos perdiam a vida.

A corrupção era mais do que muita e a instituição da cunha imperava.

Não existia liberdade de imprensa, de expressão ou de reunião e a censura só deixava publicar o que lhe apetecia.

40% dos portugueses eram analfabetos, metade nunca tinha visto um médico, a maioria da população não tinha saneamento básico.

A chamada brigada do reumático ditava as suas leis.

Portugal era o país mais atrasado da Europa.

A grande festa da televisão era o Festival da Canção, que nesse ano foi surpreendido por dois grandes autores: José Carlos Ary dos Santos e Fernando Tordo, que nos brindaram com esta canção satírica, para dar um pontapé na coisa:


Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
esperas.
Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais são
tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão não
pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro
aos milhões.
E diz o inteligente
que acabaram as canções.


2 comentários:

zira disse...

Alinho na interrogação, que já vem dos tempos do "nosso" Camões.Também ele dizia: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.A meu ver... tudo se repete de uma forma diferente. O engraçado, é que esse período conturbado me deixa ainda angustiada. Como mulher e esposa, não podia ir a Valência e levar o meu filho, sem autorização do pai, no liceu não podia usar calças e quando os grupos de conversa eram mais de cinco...Era complicado. Mas hoje, agora... As mulheres continuam a saga da discriminação. Então não é que os decotes,o tamanho das saias das funcionárias e até os perfumes estão na bitola da ASAE? E os homens!? pdem usar OLD SPICE ou... cheiro natural?! Não sei bem o que quer dizer "perfumes agressivos"...
Aproveito para salientar que nessa época de 70 o Ary dos Santos, era figura frequente em Marvão, assim como a escritora Natália Correia, como cita nos seus livros "Ao Fim da Memória" a escritora e poetisa Fernanda de Castro que tinha uma casa junto à rua do Arco. Cheguei a encontrá-la na Beirã, uma vez que foi contactar o meu vizinho,o mestre, Sr. Arez para obras, e de quem fala também nos referidos livros. São da Verbo, e abrangem os períodos de 1906-1939 o I volume e 1939-l987,o II. Eu empresto. A edição é de Abril de 1988, com uma sapiência incrível.
Não resisto a transcrever o poema AMAR do livro "De Trinta e Nove Poemas" de que foi autora a mulher do jornalista António Ferro.

O segredo é amar...Amar a vida
Com tudo o que há de bom e mau em nós...
Amar a hora breve e apetecida,
Ouvir todos os sons em cada voz
E ver todos os céus em cada olhar...

Amar por mil razões e sem razão...
Amar, só por por amar,
Com os nervos, o sangue, o coração...
Viver em cada instante a eternidade
E ver,na própria sombra, claridade.

O segredo é amar, mas amar com prazer,
Sem limites, sem linha de horizonte...
Amar a vida, a Morte, o Amor!
Beber em cada fonte,
florir em cada flor,
Nascer em cada ninho,
Sorver a terra inteira como um vinho...

Amar o ramo em flor que há-de nascer
De cada obscura e tímida raíz...
Amar em cada pedra, em cada ser,
S.Francisco de Assis...
Amar o tronco velho,a folha verde,
Amar cada alegria, cada mágoa,
Pois um beijo de amor jamais se perde
E cedo refloresce em pão, em água!

Bem Haja por me ter feito recordar, e comemorar assim o meu Abril.

Alzira Sobreiro

Isabel I disse...

Para comemorar Abril cito outro poema, de outra poetisa, a enorme Sophia de Mello Breyner.
"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo."
Que o 25 de Abril não morra nunca, pelo menos nos nossos corações. Isabel I